Como fazer jornalismo antirracista já (além da hashtag)

Diversa

Como fazer jornalismo antirracista já (além da hashtag)

16 de Junho de 2020

Práticas antirracistas para jornalistas retratarem melhor a sociedade e ajudar a expor o racismo

Inspirada no mini guia antirracista da editora de moda da revista Glamour Luana Vieira, que indica ações práticas que se pode e deve encampar já para expor e desmontar o racismo, resolvi fazer um mini guia do jornalista antirracista.

O que os jornalistas podem fazer já pra retratar melhor a sociedade e ajudar a expor o racismo? Perguntei a algumas jornalistas negras muito pacientes e disponíveis à construção: Victória Damasceno, jornalista da TV Globo; Cinthia Gomes, da Cojira-SP (Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo); Simone Freire, coordenadora de Jornalismo Local da Énois; Cintia Gomes, cofundadora e editora da Agência Mural.

1. Se você é um jornalista branco, deve se fazer a pergunta: que privilégios eu estou disposto a perder para que se tenha um mundo – e uma redação – com mais igualdade? E aí, se responda com sinceridade. Só se faz um bom jornalismo, e um jornalismo antirracista sendo uma pessoa melhor, uma pessoa disposta a sair do discurso e agir na prática. Que privilégio se está disposto a perder?

2. Não negligencie a história de resistência negra: estude. Pra isso, não use os amigos negros para explicar o beabá de ser negro, mas realmente estude.

3. Tenha comentaristas negros nas redações para falar sobre tudo, ainda mais para falar sobre o racismo.

4. Ouça pessoas negras como fonte não só quando a pauta é racismo. Em todas as áreas, TODAS, há uma pessoa negra que pode ser ouvida, e não somente para falar a respeito de racismo. Existem pontos de vista a respeito de todos os assuntos que só nós podemos fornecer. 

5. Faça recortes de raça e gênero nas pautas: a Covid-19 por exemplo mostrou que os negros são mais impactados pela doença. Mas vá além disso, aprofunde isso para outros recortes que levem em conta a realidade dessas pessoas.

6. Trate as pautas raciais no Brasil com a seriedade e a mesma objetividade que os casos internacionais: fale o nome da vítima, a cor, a cor de quem a matou e como o racismo agiu na situação. É pauta todos os dias que o racismo é um fator estruturante da sociedade que faz com que vidas negras sejam perdidas e ceifadas dia após dia.

7. Não mencione a raça negra se você não faria o mesmo com um branco. Por que se faz essa diferenciação? Isso só reforça preconceitos, estereótipos e o racismo.

8. Óbvio: mas não faça piadas nem use ditados preconceituosos.

9. Se você é da chefia, contrate mais profissionais negros. Alguns pontos de vista, pautas e opiniões só são possíveis pra aqueles que têm vivências. Portanto, mais do que se esforçar para expor o racismo, a melhor forma de retratar melhor a sociedade é contratar mais profissionais negros para as redações.

MAIS RECURSOS ANTIRRACISTAS

 

► Tem um guia de fontes negras de diversas áreas de pesquisa sendo montado pela Marília Marasciulo e a Luísa Martins, que vão mediar o acesso ao banco de dados por segurança. É só escrever pra elas por e-mail ([email protected][email protected]) ou nas redes

► 30 medidas de diversidade e inclusão que as redações podem adotar, segundo Holly Epstein Ojalvo, ex-diretora do laboratório de talentos da Quartz. Entre elas, contar a diversidade nas publicações, fazer relatórios sobre essa produção e discutir internamente.

► No próximo passaralho, só demita brancos. No próximo programa de estágio, só contrate negros. Na próxima oportunidade de promoção, promova negros/as, indica Isabela Reis.

► As palavras usadas pela imprensa para descrever as ações da polícia nos protestos nos EUA escondem a violência policial, mostra a Columbia Journalism Review. Termos ligados a guerra e o uso da voz ativa ao citar manifestantes e passiva quando se trata da polícia constroem essa disparidade.

► A newsletter Farol Jornalismo desta semana indicou listas de fontes e jornalistas negros para entrevistar: Negros(as) com doutorado que podem estar na sua bancada de TV, por Thiago Amparo | Bancos de contatos de especialistas e profissionais negros para entrevistar, por Thais Folego | Uma lista de 365 dias de consciência negra, por Cecília Oliveira, no TIB |  Catálogo Intelectuais Negras Visíveis, do Grupo de Estudos Intelectuais Negras, da UFRJ | Jornalistas Negrxs, por Nina Weingrill | Jornalistas Negros tts, por Rede Brasileira de Jornalistas Negros. E vejam também este Guia de Fontes para um jornalismo antirracista, por Marília Marasciulo e Luísa Martins.

NO RADAR

 

► Com a mudança na publicação de dados sobre a pandemia de coronavírus no Brasil, G1, OGlobo, Folha, Extra, Estadão e UOL se juntaram para manter uma base de dados atualizada. As secretarias de saúde estaduais também uniram os dados no painel Conass.

► Trabalhadoras domésticas enfrentam coação de patrões durante pandemia, mostra a Pública.“Não foi bem um acordo. Quando começou o isolamento na cidade, ela perguntou se eu não queria passar a dormir lá. Eu disse que não, porque tinha a minha casa e a minha filha. Ela falou pra eu levar a minha filha”, diz a funcionária Vera Lúcia. Quando perguntada sobre aumentar o pagamento, a patroa respondeu que estava “acolhendo” a filha dela.

► Para disseminar informação confiável sobre saúde, o Redes Cordiais vai dar treinamento de três meses a agentes de saúde sobre produção de informação e redes de desinformação.

► Tem matérias de jornalismo de solução sobre a Covid-19 republicáveis de graça no SoJo Exchange.

► Um repórter do City Bureau analisou quase 170 mil empréstimos para compra de casa em busca de entender porque Chicago é dividida em bairros bem estruturados onde moram os brancos e regiões depredadas onde vivem os negros. Para onde vão os financiamentos? A pesquisa gerou um mapa do dinheiro por região racial mostrando a desigualdade: 12 centavos para áreas dos negros para cada dólar que vai para as dos brancos.

Acompanhe as últimas reportagens publicadas pela parceria da Énois com Gênero e Número, AzMina e data_labe:

► Só 55% dos hospitais que ofereciam serviço de aborto legal no Brasil seguem atendendo na pandemia. Em 13 estados brasileiros e no Distrito Federal, não há serviço disponível de interrupção legal da gestação. Vítimas de violência sexual, mulheres com risco de morrer devido à gravidez e casos de anencefalia ficam ainda mais desassistidas na pandemia. Da Revista AzMina e Gênero e Número.

► Favelas organizam limpeza e jateamento para combater Covid-19, mas falta de saneamento é o grande obstáculo. Notícia da presença de coronavírus em fezes e esgotos acende sinal vermelho no Brasil; país tem menos da metade do esgoto tratado. Do data_labe.

► Quebrada cria seus próprios aplicativos de entregas para sobreviver à crise. Da Énois e data_labe para UOL.

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