Serviço no combate à desinformação

Diversa

Serviço no combate à desinformação

09 de Julho de 2020

A Agência Mural foca em prestar serviço sobre coronavírus via Whatsapp para ajudar quem mora nas quebradas a se manter bem informado

São Paulo – assim como todo o país – vai reabrindo sem nem ter fechado direito e a sensação de desinformação se agrava. As informações falsas vêm das redes sociais, encontram o discurso oficial e geram uma multidão de perdidos. Na medida das possibilidades de escolha de cada um, vamos decidindo qual o grau de isolamento que somos capazes de cumprir, o quanto nos manteremos em casa e em que gestor público, informação médica ou orientação de segurança acreditamos.

É um contexto favorável à aproximação entre o jornalismo e o público, do serviço ao público, como mostrei numa Diversa no início da pandemia. É o que está fazendo a Agência Mural, que foca em prestar serviço sobre coronavírus via Whatsapp para ajudar quem mora nas quebradas a se manter bem informado sobre o dia a dia dos bairros por um canal que já usam – e por onde mais recebem informação sem checagem nem crédito.

“O podcast mostra a cobertura do ponto de vista das nossas comunidades, combatendo a desinformação, e divulga soluções e informação de serviço para que as populações das periferias possam se proteger melhor e lidar com o impacto da crise socioeconômica e de saúde”, conta Cíntia Gomes, cofundadora, correspondente do Jardim Ângela e editora de Comunicação Institucional na Agência Mural de Jornalismo das Periferias.

Como transformar esse serviço em ligação com o público e pilar de sustentabilidade? É uma pergunta que ainda não tem resposta por lá. A Band suspendeu a parceria com a Mural para o jornal Bora SP e o apoio recorrente via Catarse ainda não bateu a meta. Isso mostra que há muita construção a fazer para transformar distribuição em grana. Na Mural, assim como em todo o jornalismo.

A entrevista com a Cíntia foi editada para ficar mais curta e objetiva.

Diversa – Como o coronavírus mudou o foco da cobertura da Agência Mural? 
Cíntia Gomes – A Agência Mural surgiu em 2010 fazendo a cobertura por meio de uma rede de correspondentes dos bairros sobre os quais escrevem. Temos uma equipe de 10 pessoas e uma rede de cerca de 70 “correspondentes locais”. Tratamos das necessidades de infraestrutura e melhorias nas periferias, contamos histórias que são iniciativas de moradores e contribuímos para um jornalismo menos estereotipado, mais diverso e conectado com a realidade das periferias. Com a pandemia, nossa linha editorial se manteve, mas mudamos nossa prioridade em termos de pauta e o planejamento editorial para cobrir em tempo integral a crise da Covid-19 e o impacto no contexto das periferias da região metropolitana de São Paulo. Também produzimos artes e infográficos sobre o coronavírus nas periferias para ilustrar as nossas reportagens e divulgá-las nas redes sociais e criamos um podcast diário (segunda a sexta-feira) de 5 a 10 minutos, chamado “Em Quarentena”. Os episódios são distribuídos gratuitamente por meio de uma lista de transmissão via WhatsApp (o principal canal utilizado no Brasil para a distribuição de notícias e propaganda falsas), no nosso site e no Spotify.

D – A distribuição do podcast “Em Quarentena”, da Mural, por Whatsapp começou em março com a pandemia. Esse canal de distribuição é uma novidade, o que vocês já aprenderam?
C – Começamos a testar o Whatsapp no ano passado, mas a partir de março deste ano passamos a divulgar mais nossos conteúdos por lá. As periferias estão sendo bombardeadas com “fake news” sobre a Covid-19. Mensagens que minimizam a necessidade de ficar em casa, sobre a situação real dos serviços públicos de saúde e a confusão de orientação provocada pelos governos estão desorientando as pessoas sobre como melhor agir. Criamos o podcast “Em Quarentena” pensando em divulgar principalmente pelo Whatsapp por conta do alcance, mas também porque sabemos que é por ali que a maioria da circulação de notícias falsas acontece. O podcast mostra a cobertura do ponto de vista das nossas comunidades, combate a desinformação e surge para divulgar soluções e informação de serviço para que as populações das periferias possam se proteger melhor e para melhor lidarem com o impacto da crise socioeconômica e de saúde. O diretor de negócios, Anderson Meneses contou mais detalhes de Como criamos um podcast para combater desinformação no WhatsApp, no blog da Mural na Folha.

D – Como está sendo o impacto do coronavírus na organização em termos de sustentabilidade: estão conseguindo manter as receitas, a equipe e infraestrutura? 
C – Mesmo com todo o trabalho e a busca de parcerias desde 2010, já começamos a sentir os impactos. A TV Band suspendeu a produção das videorreportagens feitas pela Mural no jornal Bora SP. Por conta da crise, a emissora vem realizando uma série de cortes. No Catarse ainda não alcançamos a nossa meta mensal de apoio recorrente e isso é muito importante pois toda arrecadação é destinada à sustentabilidade da produção de conteúdos e projetos. Então estamos buscando editais de fundos emergenciais para garantir a operação este ano. A rede de colaboradores começa a sentir o impacto da crise econômica nos seus trabalhos fixos e freelancers, por isso precisamos buscar outros caminhos de manter o jornalismo gratuito para nossa audiência e garantir a remuneração dos profissionais.

NO RADAR

 

► Faltam especialistas mulheres na cobertura do coronavírus, aponta um artigo no NiemanLab. E ainda menos espaço é dado às cientistas negras. “Considerando que, de acordo com dados da cidade de Nova York, os afro-americanos estão morrendo de COVID-19 com o dobro da taxa de brancos, sua percepção poderia ter tornado a história mais forte”, afirma a jornalista Tereza Carr.  Mulheres estão produzindo menos artigos com a pandemia e são menos ouvidas e consideradas. “Tememos que o progresso conquistado com dificuldade pelas mulheres na ciência seja um dano colateral dessa crise”, disseram 35 mulheres cientistas à revista Times Higher Education.

► É preciso ter na ponta da língua o que é racismo (a ideia de que há pessoas superiores por conta da raça) e ser antirracista na discussão e na ação: parar de apenas dizer “eu não sou racista”, relata Patrick Chalmers, um jornalista branco de meia idade que se considerava entendido de racismo e conta sobre como o Instagram é uma fonte de aprendizado formal. Foi pelo perfil de Selena Gomez no Instagram que conheceu Ibram X Kendi, diretor fundador do Centro de Pesquisa e Política Antirracista da American University, em Washington DC.

 Guia de recursos para jornalistas não-brancos que querem melhorar a carreira e as redações em que trabalham. Construído a partir de uma pesquisa com quase 300 deles, traz caminhos e informações para falar de salários e benefícios; informações que ajudam a responsabilizar as organizações e treinamentos.

► Por que bairros com maior população negra em SP são mais afetados pela Covid-19?Entre os distritos com maior população negra, dois terços estão entre os que tiveram mais vítimas por conta da doença, conta a Agência Mural.

► Problemas sociais agravam efeitos da pandemia nos municípios da Ilha do Marajó (PA), quase todos de baixo ou muito baixo índice de desenvolvimento humano, mostra o Colabora. O coronavírus se espalhou mais rápido por lá do que na região metropolitana de Belém, mesmo com a população da capital sendo quatro vezes maior e com adensamento urbano muito superior.

 

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