Território LGBTQIA+

Diversa

Território LGBTQIA+

19 de Agosto de 2020

Você conhece alguém que pertença à sigla LGBTQIA+ e trabalha com comunicação?

Com 14 anos de idade, na casa da minha tia, a única que tinha um computador, eu acessei um canal de temática LGBTQIA+ no Youtube. Desconfiava do assunto mas, até então, não sabia muito bem o que era realmente. Ver a apresentadora Fernanda Soares e Hebert Castro, do Canal das Bee, acabando com as minhas dúvidas básicas sobre sexualidade foi tão importante que, um tempo depois, eu entendi porque na minha imaginação romântica eu sempre via príncipes, e não princesas.

Hoje, eu sou comunicadora e me aventuro no jornalismo. Sei que os nossos olhares influenciam a nossa forma de escrever e de se comunicar. E como nem tudo é arco-íris, enquanto esse debate caminha cada dia mais como tema dentro das redações, uma vez que diversidade parece ser a bola da vez, os jovens LGBTQIA+ de periferias parecem não poder usufruir nem do debate e nem de mudanças estruturais. Na verdade, nós nos deparamos com a exclusão: se não temos oportunidades dentro das redações, quando estamos nos nossos territórios ainda presenciamos preconceitos e descredibilidade com o nosso trabalho.

No ano passado, uma matéria publicada pelo G1 apresentou dados do Grupo Gay da Bahia que mostrou que, em 2019, a cada 23 horas um LGBTQIA+ é morto. Eu, literalmente, fiquei chocada. Como mulher trans que enfrenta diariamente uma batalha para não virar estatística, entendi também que não queria virar pauta. Portanto, como comunicadora, precisava agir para relatar a transfobia e as violências contra travestis e transsexuais.

Aquela jovem que se reconheceu gay no início da adolescência continua desgostosa pela forma como os corpos LGBTQIA+ são descritos e tratados nos jornais mas, por outro lado, consome e está cada vez mais antenada no que “as gays” das quebradas estão produzindo. E é sobre isso que vamos tratar nesta edição da Diversa.

ATRAVÉS DO CORPO, FALAR NO TERRITÓRIO

 

“Essa minha interação de abrir a janela e ver a favela muda completamente a minha relação com o mundo”. A frase é de Isa Costa, 21 anos, que escreve para o blog Mulherias, do UOL. Mulher cisgênera (pessoas que se identificam com o gênero imposto ao nascer), negra e sapatona, ela escreve sobre sua vivência no Jardim Amarelina, zona sudoeste de São Paulo.

Um dos seus primeiros encontros com a comunicação foi nos movimentos sociais, uma herança que veio da mãe, que estudou em universidade pública. E foi dentro do seu bairro, em 2016, que conheceu o Quilombo 23, um coletivo para jovens negros. Isa elaborou e sistematizou as estratégias de comunicação do coletivo.

“Aí, você fala: como eu produzo no território? Através do meu corpo”, diz Isa, que só consegue escrever depois de entender como sua identidade se relaciona às questões ao seu redor. Estar nos espaços de comunicação e ser lésbica faz com que a jornalista tenha como estratégia usar sua presença para se posicionar: corpo que tem cor, jeitos e ideias. “Ser a única mulher lésbica e preta a grafitar as paredes da minha comunidade é usar o corpo para comunicar que outras meninas podem grafitar”, diz.

DIVERSIDADE E ESCUTA

 

Você conhece alguém que pertença à sigla LGBTQIA+ e trabalha com comunicação? Em uma breve pesquisa sobre jornalistas LGBTQIA+ no Google, os que aparecem estão relacionados à moda e fofoca. Será que não falamos de política, de economia, de urbanismo?

Também não achei nenhum dado sobre os jornalistas LGBTQIA+ que estão dentro dos seus territórios produzindo e comunicando. Parece que a academia ainda não notou que dentro das periferias uma cultura ancestral cria novas formas e visões de comunicação.

Começamos a nos fortalecer e informar usando os buracos na comunicação “tradicional” como uma ferramenta de fortalecimento para os nossos bairros. É o que faz a TV Aquenda, um canal nas redes sociais formado por drags do Jardim Romano, na Zona Leste, que tem divulgado seus trampos, trazendo informações sobre o novo coronavírus e arrecadando cestas de alimentos para os moradores das quebradas.

Dentro da Énois, enxergamos a diversidade como um processo que caminha junto com a equipe e que molda os ideais das estruturas. Não basta o veículo ter mulher trans pra ser diverso, são necessárias políticas que entendam as vulnerabilidades que aquele corpo carrega e também os enfrentamentos e provocações que vem junto com a “diversidade”.

Essa dinâmica funciona, pois somos um grupo diverso entre si. Partimos de territórios e corpos diferentes, e praticamos a escuta e a troca de conhecimentos. Já nas redações mais tradicionais, essa pluralidade é muito pequena. O jornalismo, em sua maioria, é um espaço ainda com padrão hétero, cisgênero e branco. Mas é sempre hora de mudar (confira as dicas que separamos abaixo).
Por Sanara Santos, residente do eixo de Jornalismo Local

NO RADAR

► Um estudo que visa se aprofundar no tema. Diversidade nas mídias e a leitura da sociedade em relação ao tema.

► Manual de Comunicação LGBTQIA+. Ótimo para quem tem dúvidas com pronúncias, e com informações de como cobrir o tema de forma humana.

► A Rede de Jornalistas Internacionais reuniu dicas para cobertura ética da comunidade trans, vale conferir e pensar como podemos atualizar os protocolos do jornalismo.

► A LGBTQIA+fobia em análises políticas da mídia: esse artigo analisa a LGBTQIA+fobia promovida em análises feitas por profissionais das ciências políticas, do direito e do jornalismo em seis programas de mídia.

► Leo Castilho é um homem gay, surdo, que usa o Instagram como plataforma para comunicar suas vivências e produções.

 

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