Por que as redações são tão brancas?

Diversa

Por que as redações são tão brancas?

21 de Junho de 2018

Uma análise sobre a diversidade racial nas redações e universidades de jornalismo no Brasil

Os cursos de jornalismo do país têm quase 40% de negros (pretos e pardos), segundo dados do Censo da Educação Superior de 2016. Amarelos não chegam a 2% e índios a 1%, pelo que vimos no Censo com a ajuda do programador Antonio Neto.Se o funil da diversidade já é estreito para entrar na faculdade (dá uma comparada no gráfico racial da população aí embaixo), na redação aperta. A proporção de brancos, que é 60% na graduação, ultrapassa 70% nas redações e a de pretos e pardos cai para quase pela metade – para pouco mais de 20%. Amarelos e indígenas mantêm a proporção de cerca de 1%.É importante dizer que os dados das redações são de 2013, da pesquisa sobre perfil dos jornalistas feita pela Fenaj e UFSC, e os da população, de 2010, do último Censo do IBGE. Ou seja, temos buracos temporais nas comparações. Pode ter havido mudanças nos números, mas – infelizmente – não a ponto de alargar o funil. É preciso muito tempo e mudanças estruturais para dobrar a proporção de negros nas redações.

Por que há tão poucos jornalistas negros nas redações e no jornalismo?

Nas salas em que leciona, Claudia Nonato, da FIAM-FAAM, vê quase maioria de pretos e pardos, mas não os vê chegarem aos veículos tradicionais. No doutorado, apurou números ainda piores: 20% de pretos e pardos nas redações, com base em levantamento feito em 2010.

Vão para imprensa alternativa, assessoria ou trabalhar fora do jornalismo. “Eles chegam a fazer estágio, mas não são efetivados. Os alunos brancos têm uma formação básica melhor, falam inglês fluente, tiveram vivência no exterior. Como competir com isso?”, questiona Claudia.

Helaine Martins, 37, que trabalhou no Jornal O Liberal, de Belém, vê as redações como espaços elitizados e que, na seleção, privilegiam pessoas do mesmo grupo social. “Os negros que entram, geralmente ficam em posições de menos destaque.”

O debate sobre a raça entre os colegas e nas pautas é um outro passo. Quando repórter de jornal, ela sequer percebia o movimento negro. “Depois que comecei a entender meu lugar como jornalista negra, percebi que falamos muito pouco sobre fontes na hora de pensar diversidade no jornalismo, é o que fundamenta o que escrevemos.”

É onde centra sua atuação. Na Editora MOL, questionou a homogeneidade na escolha das fontes e fez a diversidade virar política, com a indicação explícita aos repórteres de ouvir pessoas diferentes nas publicações. A experiência foi base para criar o Entreviste um Negro, um banco de dados público de especialistas negros para ajudar os jornalistas a ampliarem a agenda.

Quem está em redação percebe que há pouca presença de negros, preconceito e necessidade de ações afirmativas como cursos de formação para focas, política de cotas, engajamento da chefia e da administração, como Isabel Clavelin da Rosa aponta na tese que entrevistou 21 jornalistas sobre raça e gênero no jornalismo. “Atingidos pelo racismo e pelo sexismo de maneira diferenciada – negras, negros e mulheres –, evidenciam as feridas carregadas solitariamente como uma questão pessoal e não política.”Em resumo, a falta de diversidade afeta a sociedade e a democracia – mas também pessoalmente os jornalistas. Como construir redações mais reais, humanas e inclusivas?A gente acredita que saber mais sobre a diversidade racial nas redações pode ajudar. Com informação, há mais condições de criar consciência da necessidade de tornar o jornalismo mais representativo, influenciando veículos e jornalistas a se responsabilizarem, mudando políticas e comportamentos. Por isso, colocamos na rua junto com essa news uma pesquisa sobre raça nas redações, com resultados públicos – assim como os usos que se fará dela. Compartilhe e faça chegar a quem traz diversidade racial nas redações.

NO RADAR

  • Historiorama está fazendo jornalismo local com e para a comunidade no Campo Limpo, Jardim Ângela e Capão Redondo. O processo de definição das pautas e abordagens é feito com os moradores e tocado por jovens formados no Laboratório Popular de Direitos e Comunicação. A primeira edição, com 10 mil exemplares impressos sobre o direito ao transporte, saiu no começo de maio. A próxima, sobre economia, está em discussão aberta.
  • Ouvir, mais do que fazer reportagens sobre territórios, deve ser o foco da imprensa local, dizem uma repórter e uma editora de audiência de veículos locais – Henning Bulka, do alemão Rheinische Post e Sophie Casals, do francês Nice-Matin, em entrevista ao NiemanLab. “Estar perto de nossos leitores não quer dizer só estar perto deles fisicamente.”
  • A BBC lançou um projeto especial que investiga como as pessoas estão construindo pontes, o “Crossing Divides”. Foi uma semana de cobertura sobre como enfrentar as fraturas políticas, religiosas, de raça, classe e idade e experimentando formatos para isso chegar longe e também em público diversos. Teve jogos que ajudam em conversas com quem pensa diferente, vídeos sobre como aproximar ex-soldados que estiveram em lados opostos, um material grande articulado pelo serviço mundial em um projeto traduzido em cinco línguas.
  • O American Press Institute aponta formas de criar ambientes inclusivos à diversidade nas redações, em uma sistematização usada em cursos que apoiam executivos das redações nessa missão: reconheça seu viés (porque todos têm um), entenda que tanto você quanto os profissionais diversos que contratar estarão vulneráveis (porque a humildade facilita a relação e permite a troca), seja proativo na busca por profissionais diversos (e ajude talentos de fora da sua rede tradicional a se formarem) e se você não pensou em diversidade na redação antes de sua equipe demandar, você já ficou pra trás.
  • Um movimento de ONGs quer estruturar diversidade na gestão antes de querer empurrar o mundo pra representatividade. É um cutucão importante pra se pensar em soluções internas, tidas como pequenas, mas bem palpáveis. Eles se ancoram em dados significativos: não brancos são 40% dos empregados nas ONGs, mas só 10% dos cargos executivos.
  • Já que pouco acontece no Brasil em termos de fortalecimento do jornalismo local, vale dar uma olhada no guia do Niemanlab para saber quem está pensando e estruturando financeiramente as iniciativas americanas.
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