Até aqui, a falta de diversidade no jornalismo te beneficiou

Diversa

Até aqui, a falta de diversidade no jornalismo te beneficiou

 

29 de janeiro 2022

 

“Sabemos que toda revolução gera uma contra revolução e é evidente que ela está em curso. Portanto, só me cabe alertar que o progresso não vem sem resistência.”

 

Danila de Jesus, líder de formação pessoas e percursos

Olá, colega da Diversa!

Espero encontrar você bem, forte e vacinado (a). 

Todas as gerações do Brasil de negros e não-negros terão que tomar decisões de como lutarão para promover a equidade racial em um país que ofereça oportunidades e narrativas plurais.

Nada encoraja mais pessoas e empresas racistas do que um sistema legal que ignora sua existência e um jornalismo que naturaliza tais barbaridades, sendo palco para racistas declarados ou disfarçados.

Recebi o desafio de escrever nossa primeira Diversa de 2022, e me atrevo a te fazer uma pergunta sincera: se pode fomentar a diversidade no jornalismo sem redações diversas? 

Aprendi com o movimento de luta de pessoas com deficiências o lema “Nada sobre nós, sem nós”. É urgente e necessário fomentar a atuação de profissionais que carregam o peso de raça, gênero e classe e outras encruzilhadas que, ao passo que as constituem, as desumanizam, dentro também das empresas jornalísticas.

A experiência do primeiro Programa de Diversidade nas Redações realizado pela Énois foi uma etapa experimental importante para criarmos ações programáticas para as dez redações participantes e seus respectivos repórteres, e para toda e qualquer organização que queira fomentar as diversidades. 

Mais que isso, conseguimos desenvolver um instrumento para mensurar os avanços e deslocamentos, por meio da criação de uma ferramenta gratuita que avalia o grau de diversidade na redação. Do estímulo às fontes, personagens, territórios diversos a espaços de escuta, cultura da redação e gestão, que, sistematizados, estão à disposição de qualquer um que queira promover mudanças, já. 

Vale ressaltar que a inclusão não é um fim em si mesmo. Inserir e não oportunizar, acompanhar, fomentar o desenvolvimento não pode ser indicador de diversidade. Treinamentos sobre Diversidade em algumas empresas podem ser inadequados, diz um estudo feito pela Universidade de Columbia, EUA. Se não há o compromisso diretivo com ações que construam uma cultura organizacional, as ações daqueles que operam nos micro espaços de decisão dentro da empresa irão dificultar o encontro, em razão do “déficit de atenção racial” destes agentes em postos estratégicos, geralmente ocupados por pessoas privilegiadas.

Não poderia deixar de pontuar a importância de os veículos de comunicação atuarem para a defesa de nossa democracia. Trago como exemplo o consórcio de mídia (G1, O Globo, Extra, Estadão, Folha de S.Paulo e UOL) que se reuniu para promover a transparência dos dados da Covid-19. E como o pensamento do professor Kabenguele Munanga revela que o racismo no Brasil é um crime perfeito, seria utopia desejar que esse mesmo consórcio reúna esforços para empreender ações contra nossa pandemia mais antiga? 

A Folha de S. Paulo, que lançou em 2021 o Programa de Trainee para negros e possui até uma editoria de Diversidade, é o mesmo veículo que se declara contra as cotas e concede espaço para colunistas destilarem hostilidades contra negros e índigenas, periodicamente, a pretexto da liberdade de expressão.  

Se você como leitor não assina veículos de comunicação locais ou apoia organizações que atuam para democratização do jornalismo diverso, comece a olhar para o seu viés inconsciente. Estes veículos tendem a colocar uma lente de aumento em temas sensíveis e pouco discutidos.

Constatamos tal mérito com o Programa Jornalismo e Território, que percorreu todo o país, em cinco edições, e evidenciou a força existente no jornalismo educomunitário, feito por autodidatas, comunicadores engajados, comprometidos em combater fake news e democratizar a informação. 

 Se você, como editor, não sabe por onde começar, consulte a Caixa de ferramentas da Énois. Seja um replicador de metodologias que podem instrumentalizar a sua gestão, em ações de equidade, como um censo para promover a equidade racial ou seleções públicas e mais diversas. A diversidade também produz ganho de capital. Independente das encruzilhadas que te constituem, faça perguntas, diagnostique, enderece as ações. Seja co-partícipe dessa mudança.

Martin Luther King nos alerta sobre o perigo dos brancos moderados. E no caso do Brasil, me refiro aos “brancos” como metáfora do poder. Sabemos que toda revolução gera uma contra revolução e é evidente que ela está em curso. Portanto, só me cabe alertar que o progresso não vem sem resistência. Precisamos de uma resistência maciça, sobretudo daqueles que são privilegiados por sua cor de pele, condição social e gênero. Que são majoritariamente os proprietários, CEOs, editores, repórteres e assinantes dos veículos de imprensa.

É chegada a hora de rompermos também, com o silêncio dos moderados, abrigados em suas zonas de conforto. Mesmo que você não saiba, até aqui a falta de diversidade te beneficiou. Portanto, o tempo é agora!

Quase esqueci de me apresentar. Sou Danila, mulher negra, baiana de Salvador, nascida e criada na Boca do Rio. Mãe de Mel, jornalista, mestre em estudos étnicos e africanos, doutoranda em cultura e sociedade, ambos pela UFBA, docente no ensino superior… e que tem o animador desafio de ser a líder instrucional, que cora com dendê as formações da Énois.

Maneiras de impulsionar, de verdade, a diversidade na sua redação

  1. Amplie a atuação de profissionais que carregam encruzilhadas de raça, gênero, classe e outras em suas histórias de vida;
  2. Além de inserir as pessoas, crie formas de dar oportunidades e fomentar o desenvolvimento pessoal e profissional delas;
  3. Crie metodologias de acompanhamento da evolução das suas ações de diversidade, para identificar gargalos a serem corrigidos;
  4. Esteja atento (a) e considere, de fato, as críticas e propostas de mudança das suas políticas de diversidade;
  5. Não sabe por onde começar? Consulte colegas, redações e coletivos que já empreendem esforços para romper com o racismo estrutural

Um salve e muito obrigada a todas as apoiadoras e todos os apoiadores da Énois ♥

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