25 de junho de 2022
Foi durante o meu trabalho final no curso de jornalismo, no começo de 2017, que me percebi um cara trans pela primeira vez.
Caê Vasconcelos, jornalista
Salve, galera, tudo bem? Eu sou o Caê Vasconcelos. Sou jornalista, homem trans, bissexual e cria da zona norte da cidade de São Paulo. Para mim, o jornalismo e a minha vivência caminham lado a lado e guiam meus caminhos nessa sociedade.
Descobrir que minha profissão poderia ser meu ativismo mudou completamente a minha vida. Demorei bastante pra enxergar que o jornalismo também poderia ser para mim, apesar de nunca ter visto alguém como eu nos telejornais – nem tampouco ter lido nas folhas de jornais ou ouvido nas rádios. Mas senti que deveria seguir esse caminho.
E ainda bem. Foi o jornalismo que me ajudou a me autoconhecer em todos os sentidos. Nas apurações jornalísticas ainda na faculdade, comecei a investigar o que também era a minha história, minha luta. Foi durante o meu trabalho final no curso de jornalismo, no começo de 2017, que me percebi um cara trans pela primeira vez. Eu tinha 25 anos na época. Mas só com 28 consegui começar a contar para as pessoas.
Nesse tempo, vi a imprensa reproduzir muita transfobia. Ou éramos apenas uma estatística ou a nossa identidade de gênero. Nunca mais, sempre marginalizados. Essa ausência de representação e de representatividade me impediu de ser eu antes. Essa ausência na imprensa me encheu de medo de contar sobre mim para o mundo. Mas eu consegui superar isso.
E não podia ser diferente usar meu jornalismo como meu ativismo. Tanto tempo sendo silenciado pelo cis-tema heteronormativo e classista, quando me vi capaz de escrever histórias positivas e de luta sabia que esse era o caminho. Sempre coletivo. Porque, quando falamos em memórias de referências LGBTs, principalmente pessoas transvestigêneres, nos deparamos com apagamento.
Dá para fazer um jornalismo para todes mas para isso todes precisam estar dentro das redações. Com cissexismo heteronormativo não se faz jornalismo, se propaga, de novo e de novo, o olhar de quem sempre deteve o poder da palavra, das histórias, das narrativas. Não podemos mais permitir que homens, cis, héteros, brancos e cheio de grana no bolso continuem dominando a imprensa. Esse lugar também é nosso.
Quando entendemos isso e temos espaço, seja dentro de uma redação tradicional, de revista, jornal ou televisão, ou de casa escrevendo para uma imprensa independente, mudamos o mundo. Às vezes aquele mundo menos, que envolve a gente mesmo e quem tá do lado. Às vezes com mais alcance, chegando em pessoas que jamais imaginamos. Dá, sim, para mudar o mundo com o jornalismo. Mas para isso precisamos de um jornalismo totalmente voltado para os direitos humanos, feito por pessoas transvestigêneres, periféricas, não-brancas. Feito por quem sabe olhar para o lado e narrar a luta de quem tá ali da mesma forma que contaria a sua.
Eu desejo e luto por esse jornalismo. A mudança é agora.
Estude o tema. Antes de começar a apuração, busque referências sobre o tema. Livros, textos científicos, outras matérias, pessoas e instituições da comunidade podem te ajudar a compreender conceitos básicos e a não reproduzir estereótipos. Isso ajuda a ter uma ideia de como alguns setores da sociedade já lidam com o assunto de forma natural. As instituições podem ser parceiras, inclusive, para indicar fontes.
Produza sem pressa. Essa é uma apuração que requer cuidado, então faça com tempo. Se puder, tire um dia ou mais apenas para escrever. Também é válido passar o máximo de tempo possível com as famílias, acompanhando a rotina delas. Converse com as crianças e adolescentes, conquiste a confiança deles e os deixe à vontade. Conte para eles sobre como será a matéria.
Escute as preocupações das famílias. Como o tema é sensível e estamos falando de crianças e famílias inseridas no contexto da comunidade trans, as pessoas entrevistadas podem perguntar como a história delas será abordada na matéria. Considere essa preocupação delas e busque envolvê-las nas etapas da produção, para que elas sintam confiança e respeito com o que será publicado.
Questione o conceito “tradicional” de família. Na entrevista, pergunte sobre aspectos que envolvem a ideia de família. Não fosse a presença de uma criança trans nessa família, ela se encaixaria dentro dos parâmetros do que é considerada uma família tradicional? Mostre que a família tradicional é aquela feliz, com a presença de toda a estrutura familiar por perto, incluindo avós e amigos.
Busque o coletivo. No jornalismo, normalmente buscamos numa pauta aquilo que há de particular, único, diferente. Neste caso, faça o caminho inverso. O que há aqui em comum com aquilo que se considera padrão? Está tão distante assim? Que referências existem para mostrar a quem não esteja familiarizado com esse universo para ajudá-los a reconhecer ali a existência do que se convenciona como família?
Imagem. A decisão editorial sobre citar nomes e mostrar fotos que identifiquem as crianças ou famílias deve ser, acima de tudo, uma decisão da família. Os jornalistas precisam deixar os entrevistados absolutamente à vontade para decidir.
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