04 de Dezembro de 2018
As campanhas de jornais pra atrair assinantes após as eleições e a importância do jornalismo diverso e local pra garantir a democracia
Quando li a frase confesso que senti um incômodo. Certa vez ouvi do Pedro Abramovay que se buscarmos por “independent journalism” no Google, um dos primeiros sites que aparecem é o do New York Times – um grande jornal tradicional que se financia via assinaturas e publicidade. Enquanto que se a gente fizer a busca em português, temos em destaque o mapa do jornalismo independente da Agência Pública (uma grande lista de veículos que ainda estão quebrando a cabeça pra pagar as contas). Então o que significa jornalismo independente? Independente, para o New York Times, não tem a ver com a forma de financiamento e sim com o compromisso do jornal em cumprir o protocolo jornalístico.
Me parece que no Brasil estamos – como jornalistas – fazendo uma grande confusão que mais atrapalha do que ajuda não-jornalistas a entenderem o que é jornalismo. Quando a Folha qualifica seu jornalismo como “profissional”, ela está querendo criar uma diferenciação. Como se houvesse um tipo de jornalismo amador ou não-profissional. Quero acreditar que ela faz isso para se distanciar dos sites que poluem nossas redes com notícias falsas e desinformação. Acontece que ao fazer isso ela também desqualifica, em muitas instâncias, todos os sites que estão no mapa de jornalismo independente da Pública – porque não possuem grandes estruturas, porque têm colaboradores voluntários, ou porque não são veículos da chamada mídia tradicional. Mas que, no entanto, também estão fazendo jornalismo.
Em vez de reforçar que jornalismo tem critério e método, essas nomenclaturas confundem a cabeça de quem não sabe como o jornalismo é feito. Que precisamos buscar fontes de informação primárias, que não podemos usar declarações sem comprovação, que é preciso checar a metodologia de uma pesquisa antes de usar seus dados, que precisamos buscar a contradição em vez de uma tese, que devemos nos aproximar de quem vive a experiência sobre a qual estamos reportando. Que um texto passa por muitas mãos e visões editoriais diferentes até ficar pronto. Enfim, que tem um protocolo por trás que faz o jornalismo parar em pé. Assim como existe para medicina, engenharia e física quântica. E nem por isso a gente chama de medicina profissional, engenharia profissional. Já imaginou ser atendido por alguém que é médico amador? O nome disso é fraude.
Ao escolher essa palavra para se qualificar, a Folha dá um tiro no pé do jornalismo. E, infelizmente, deixa de ser generosa com o campo. Especialmente em um momento em que a democracia está sendo ameaçada e, quanto mais jornalismo estivermos fazendo, melhor para garantia de direitos de todos – até porque a Folha não é capaz de reportar sobre tudo o que acontece em São Paulo, que dirá nos rincões do Brasil.
O motivo dessa busca desesperada por assinaturas é claro: a saúde financeira do jornal numa possível retirada de investimentos publicitários por parte do governo. Apesar da minha anedota do início mostrar como alguns jornalistas nos EUA ficaram felizes com a era Trump, os números lá mostram outra coisa. O total estimado de receita de publicidade de jornais para 2017 foi de U$ 16,5 bilhões. Uma queda de 10% em relação a 2016.
De acordo com dados do Bureau of Labor Statistics’ Occupational Employment Statistics, 39.210 pessoas trabalharam como jornalistas, editores, fotógrafos ou editores de filmes e vídeos na indústria de jornais em 2017. Isso representa uma queda de 15% em relação a 2014 e 45% em relação a 2004.
Por outro lado, o financiamento para iniciativas de jornalismo sem fins lucrativos bombou. No final de 2016, a Knight Foundation, em parceria com o Democracy Fund e a Fundação John D. e Catherine T. MacArthur, lançou uma iniciativa chamada NewsMatch e ajudou 57 organizações a arrecadar mais de US$1,2 milhão em doações correspondentes. Em 2017, esse montante quadruplicou e apoiou mais de 100 organizações de notícias locais e investigativas sem fins lucrativos. É a maior campanha de arrecadação para jornalismo da história dos Estados Unidos. Foram mais de 202 mil doadores – dos quais 43 mil doaram pela primeira vez. Uma média de 163 dólares por pessoa no ano.