Não é difícil construir um banco de fontes indígenas, mas é preciso ir além

Diversa

Não é difícil construir um banco de fontes indígenas, mas é preciso ir além

 

25 de setembro de 2021

 

Construir um banco de fontes mais plural é o primeiro passo e tem sua importância, mas não é o bastante

 

Géssika Costa é repórter independente no Olhos Jornalismo e integra o Sala de Redação, programa da Énois

Oieee, gente. Tudo bem por aí? (Na medida do possível, pois estamos no Brasil). Do outro lado da linha, aliás, da Diversa, é Géssika Costa que vos fala. Vamos esquecer essas formalidades? Aqui em Maceió, onde sou nascida, criada e moro, é  “jogo rápido”. Afinal, uma boa comunicação não tem segredo, é simples e direta, como pregam os manuais de jornalismo. Tudo bem, sei que essas publicações que lemos na faculdade  não devem ser seguidas ao pé da letra. Por vezes, elas excluem, omitem e não refletem as diversidades e contextos da formação no que se refere à construção da nossa sociedade. Passei a refletir mais sobre esse e outros fatores esses dias. Te explico melhor…

Há três meses integro o Sala de Redação — um programa da Énois que tem como objetivo fortalecer a diversidade do jornalismo local, além de nacionalizar a cobertura jornalística de temas relevantes a partir dos territórios e de comunidades sub-representadas na mídia — estou ao lado de uma galera massa e de responsa das cinco regiões do país. Durante uma das nossas formações, sobre Amazônia e questões indígenas, foi passada uma lição de casa: precisávamos preencher uma planilha online para formar um banco de fontes indígenas (por motivos de segurança das fontes, não vamos divulgar esse banco aqui). A priori, pelo menos para mim, parecia tarefa fácil. Deveria ser, na verdade.

Ao tentar preencher a planilha e adicionar algum contato, percebi que a ausência de referências na minha agenda telefônica era proporcional à falta de cobertura sobre as pautas indígenas nos meus seis anos atuando como jornalista profissional  —  isso contando o tempo de trabalho nas redações tradicionais aqui de Alagoas e no Olhos Jornalismo, projeto de mídia independente que toco ao lado de três amigos. 

Achei vergonhoso e fiquei decepcionada. Passei a contar nos dedos quantas vezes falei sobre as comunidades indígenas do meu estado. Bem mais do que isso, quais foram os contextos abordados? Como trabalhei um tempo em veículos da mídia hegemônica, nem sempre pude controlar a linha editorial e o modo como teria que escrever meu texto. Mas não havia justificativa para esses quase dois anos com o Olhos Jornalismo  no ar continuar reproduzindo esse mesmo vácuo.

Revirei minha agenda telefônica, joguei palavras-chaves, acessei o site, puxei pela memória e nada. Como eu, Géssika, mulher, negra e periférica, que tenta fazer do espaço que ocupa na comunicação um movimento de luta constante para falar sobre diversidade, contribuo para isso? Veio a necessária autocrítica. 

Numa das conversas com uma das minhas novas fontes, o Leonardo, da aldeia Wassu Cocal, de Joaquim Gomes, sertão de Alagoas, me confessou que a ligação causava certo estranhamento. Não entendi e pedi para que explicasse. Ele disse que jornalistas só entram em contato com a comunidade em duas oportunidades durante o ano: no mês de abril ou quando buscam informações sobre manifestações realizadas, como o fechamento de rodovias por algum tipo de conflito relacionado ao território. Claro que concordei. Ele tem razão.

Em uma semana, ao desenvolver uma das pautas para o Sala de Redação, consegui preencher mais de ‘duas mãos’ com fontes e personagens dos povos presentes em Alagoas. Desde então, tenho mantido contato com elas. Percebi que bem mais do que adicionar na agenda, o exercício me fez refletir o quanto a gente acha que sabe e como isso pode ser perigoso.

Ok, construir um banco de fontes mais plural é o primeiro passo e tem sua importância, mas não é o bastante. Em um momento em que a tese do Marco Temporal — ligada ao Projeto de Lei 490/2007, apoiado pela bancada ruralista — está sendo julgada e milhares de indígenas lutam por seus direitos em Brasília… o quanto essa invisibilidade sobre o que pensam e as consequências para os povos indígenas que vivem em Alagoas pode pesar, por exemplo? 

Se esse projeto for aprovado, ele impedirá que muitos povos indígenas reivindiquem a demarcação de seus territórios, o que só facilita a vida dos latifundiários. Na prática, o PL funciona assim: povos indígenas que não estavam ocupando fisicamente seus territórios até 05 de outubro de 1988 (data da promulgação da Constituição Federal), não vão conseguir obter o reconhecimento legal de suas terras.

Muitas vezes, ao percebermos que há um tema dito “nacional”, acabamos fechando os olhos para o tema —  e com a falta de um banco de fontes mais diverso tudo fica mais difícil. É preciso ir além. Entender e valorizar uma abordagem local são obrigações que todo jornalista precisa ter, sem necessariamente dizer que aquele conteúdo existiu para “dar visibilidade”. Sou contra quem faz do próprio trabalho uma espécie de espaço marcado pelo nascimento de heróis e heroínas. O jornalismo não tem essa função de dar voz… ele as amplifica.

Ainda sobre essa experiência de construir um banco de fontes mais representativo, aprendi que as fontes oficiais — como as assessorias de imprensa — às vezes pouco conhecem sobre esses territórios e, por isso mesmo, não devem ser as únicas pontes para poder construir uma reportagem.  Digo isso porque passei alguns dias em busca de dados sobre a quantidade de indígenas que tinham recusado a vacina. Com as fontes oficiais não ligadas diretamente à saúde indígena ou às políticas intersetoriais, o cenário foi de informações desencontradas, defasadas e incompletas. Bem diferente de quando conversei com as pessoas que trabalham nos postos de saúde indígena ou com o Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI). Elas me deram um verdadeiro panorama dos dados com explicações que puderam ser acrescentadas à matéria. Sair ‘costurando’ entre ligações para amigos de determinada cidade, envio de mensagens via Whatsapp e até mesmo a busca no Instagram, são bem mais eficientes. Se o ditado diz que todo erro busca um acerto, dei o meu primeiro passo para virar o jogo.

Se você assina a Diversa é sinal que se interessa por esses e outros temas. Te convido a fazer o mesmo exercício que o Sala de Redação passou. Abaixo, vou deixar um roteiro.  Não foi necessariamente essa ordem que segui, mas pode te ajudar na construção de um banco de fontes indígenas.

6 dicas para construir um banco de fontes indígenas 

1 – Saiba onde estão localizadas as comunidades indígenas no seu estado – você pode procurar no Portal Brasileiro de Dados Abertos numa simples busca;

2 –  Procure os Distritos Sanitário Especiais Indígenas (DSEI). São órgãos como as secretarias de saúde estaduais, que reúnem dados da saúde indígena e devem aplicar as referentes políticas públicas;

3 –  Com o nome e a localização das comunidades em mãos, você pode buscar perfis que são diariamente abastecidos. Utilize palavras-chaves no campo de busca do Instagram, por exemplo, ou procure por hashtags específicas;  

4 – Se você tiver algum contato já estabelecido com alguma liderança indígena,  ligue para ela e explique, com detalhes, quem você é, qual o veículo e pauta. Assim, a fonte vai se sentir mais resguardada e segura para falar contigo. Pergunte se ela pode ajudá-lo a conseguir outros contatos. Mas entenda, antes de tudo, que são inúmeros os territórios e povos indígenas que vivem no nosso país. Ninguém tem obrigação de saber sobre todos e tudo.

5 – Procure um amigo, parente ou conhecido que more nesta região onde está localizada a comunidade ou povo indígena que você busca contatar;

6 – Sempre se questione, reflita sobre a sua cobertura jornalística e se comunique com seus pares!

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