07 de fevereiro de 2023
Mas como já dizia Malcolm X “O amanhã pertence àqueles que se preparam hoje” e, por isso, a gente não pode relaxar.
Jamile Santana, coordenadora da Escola de Dados na Open Knowledge Brasil
Oi, como você está?
É uma honra te encontrar na primeira newsletter da Énois de 2023, então espero que esteja tudo bem. Acho que nossa rede, preocupada com justiça social e diversidade, chega em 2023 tendo um pouco mais de espaço para respirar. Mas como já dizia Malcolm X “O amanhã pertence àqueles que se preparam hoje” e, por isso, a gente não pode relaxar.
Ver Lula chegar à presidência novamente, numa cerimônia de passagem de faixa infinitamente mais bonita do que a realizada em tempos de normalidade, além de ver tantos nomes ocupando cargos importantes de decisão no governo, como Anielle Franco, Silvio Almeida e Sônia Guajajara, nos fez chorar e, por algum tempo, sentir o que eu chamo de “alívio psicológico”. Não foi fácil viver os últimos quatro anos no Brasil obscuro, triste e cruel de Bolsonaro. A lista de retrocessos é imensa e todo dia a gente já esperava ansioso: “qual será a má notícia de hoje?”. Eu lembro que tinha acabado de parir um bebê quando o Ministério da Saúde de Bolsonaro anunciou uma nova edição da Cartilha para Gestantes, normalizando e institucionalizando a violência obstétrica. Então de muitas formas, nunca foi tão importante ver Lula eleito como agora. Passei o final de dezembro e os primeiros dias de janeiro podendo respirar e projetar um país melhor para os meus filhos, parecia mesmo que estávamos em um outro Brasil.
Os atos golpistas do dia 08 de janeiro nos lembraram que o terrorismo de verde e amarelo segue firme – um pouco mais à sombra do que nos últimos intermináveis quatro anos mas, ainda assim – vivão e vivendo. Por isso a gente não pode baixar a guarda. E o que me chamou muito a atenção nesse movimento foi perceber que ele estava sendo articulado nas cidades. Só do Estado de São Paulo, foram pelo menos 47 ônibus com passageiros avessos à democracia.
E é sobre esse ponto que eu gostaria de te convidar para a reflexão. Como o jornalismo local pode incidir no combate a atos antidemocráticos, mesmo com pouco recurso, poucos mecanismos técnicos e, por muitas vezes, tendo uma equipe reduzida? Eu não vejo outro caminho se não a articulação em rede. A articulação da extrema direita acontece em milhares de pequenos grupos descentralizados, então é urgente que o assunto entre na pauta local.
Aqui na minha cidade (Mogi das Cruzes – SP), por exemplo, a administração municipal sempre foi centro-direita, mas a vinda do Bolsonarismo escancarou um conservadorismo sombrio. De 2019 pra cá, a população negra, LGBT e grupos em situação de vulnerabilidade econômica e social está atenta a todo movimento sutil e indiscreto feito pelo executivo e legislativo municipal. Um exemplo foi a votação do Plano Municipal de Educação 2023-2024, construído pela rede de profissionais da educação e sociedade civil. O PME foi votado numa audiência extraordinária no dia 20 de dezembro de 2022. Um vereador da base governista apresentou uma emenda que retira do texto dois trechos importantes: o primeiro reforça o compromisso do plano na “promoção dos princípios do respeito aos direitos humanos, à diversidade e à sustentabilidade socioambiental”e o segundo prevê como uma das estratégias de educação ”Dar continuidade às ações de acompanhamento e monitoramento das situações de discriminação, preconceito e violência nas escolas, visando o estabelecimento de condições adequadas para o sucesso escolar dos estudantes, por meio da garantia a equidade racial e de gênero, em colaboração com as famílias e com os órgãos públicos de Assistência Social, Saúde e Proteção à Infância, Adolescente e Juventude;”
Fizemos um abaixo-assinado e protocolamos na prefeitura, pontuando que a exclusão dos textos do PME trará danos irreparáveis na educação de crianças e jovens, sobretudo sobre as relações sociais de tolerância e respeito às diversidades. O prefeito não aceitou os nossos argumentos e irá sancionar o plano sem os trechos, mas a mobilização em rede foi importante para expor publicamente as reais intenções do governo municipal.
No orçamento, o combate à violência contra a mulher, programas de segurança alimentar, habitação e até para crianças em situação de vulnerabilidades, ficaram com orçamento reduzido ou sem orçamento, em detrimento à pasta responsável pela imagem institucional, com um orçamento de quase R$ 10 milhões/ano. São dados. Conseguimos emplacar a pauta nos jornais locais e essas manchas ficarão registradas na história da cidade. Não podem passar impunes. Nenhum desses movimentos ficam à parte do Bolsonarismo. Na minha cidade, o acampamento em frente ao Tiro de Guerra foi elogiado pelo chefe do executivo. Existe flerte com a extrema direita em muitas cidades.
Estamos nos articulando em rede agora para coletar dados do orçamento, das falas em sessões ordinárias no legislativo, em reuniões e atos normativos e nos prepararmos para as eleições municipais de 2024. Quando coletamos dados temos mais embasamento, mais evidências para propor políticas públicas mais eficientes. E se os órgãos não produzem ou não divulgam determinados dados, podemos produzi-los.
O amanhã pertence àqueles que se preparam hoje. Os dados públicos municipais podem nos ajudar a evitar retrocessos locais.
Dicas para começar a apurar dados locais.
Mapeie bases de dados municipais. Faça um planilha listando bases de dados já disponíveis com informações locais, categorize as colunas por assunto,órgão responsável pela publicação e link
Utilize a Lei de Acesso à Informação. Muitas cidades ainda não regulamentaram a LAI, mas mesmo assim ela precisa ser cumprida e, em caso de descumprimento, o órgão pode ser denunciado. Com a LAI você pode pensar em perguntas específicas sobre a sua cidade e ter acesso à bases inéditas
Faça suas próprias bases de dados Às vezes tudo o que você precisa é organizar as informações numa planilha para encontrar padrões. Foi organizando boletins de ocorrência numa planilha, categorizando datas, horários, bairros e outros detalhes, que descobrimos em 2015 que ocorrências de ataques a tiros em bairros de Mogi eram, na verdade, a atuação de uma milícia. A Polícia Civil foi pressionada a investigar porque mostramos que havia um padrão nas ocorrências e dois policiais foram presos.
Utilize ferramentas gratuitas de análise de dados É possível libertar tabelas presas dentro de PDFs com o Tabula, criar visualizações de dados legais com Datawrapper e Flourish. Quando mais você fuça a ferramenta, mais encontra possibilidade
Leia dos tutoriais da Escola de Dados Se o mundo dos dados é novidade pra você, os tutoriais da ED podem te ajudar. Também abrimos cursos ao longo do ano e temos dezenas de oficinas mão na massa feitos nas edições do Coda.
Um salve e muito obrigada a todas as apoiadoras e todos os apoiadores da Énois ♥
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