Diversa

Por uma escrita indígena no Jornalismo

09 de abril de 2022

 

Hoje, queremos ir além. Não queremos apenas falar e ser fonte autorizada; queremos ser os autores da escrita jornalística.

 

Ariene Susui, jornalista indígena do povo Wapichana

Olá, sou Ariene Susui, jornalista e ativista indígena do povo Wapichana.

Escrevo neste momento de dentro de uma barraca, aqui está chovendo, estou no Acampamento Terra Livre (ATL) 2022, em Brasília, que neste ano completa a sua 18º edição. O desafio de uma jornalista indígena dentro desse espaço é extremamente grande. Muitos de nós viemos acompanhar nossas organizações indígenas: no meu caso, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab). As mobilizações são quase sempre a nossa redação. Escrevemos debaixo de árvores, casinhas montadas para um determinado momento de manifestação, mas estamos ali. 

Quando me formei em comunicação, eu sabia que seria mais uma ferramenta de luta em defesa de nossos povos. Poderia seguir por outro caminho, no entanto, não poderia esquecer daqueles que me trouxeram até aqui. Somos mais de 300 povos no Brasil, desde muitos anos invisibilizados na mídia convencional. 

Ao adentrar nas universidades, assumimos o compromisso de dar o retorno para nossas comunidades e aldeias. A escrita indígena no âmbito do jornalismo é essencial para que os nossos povos deixem de ocupar o lugar que historicamente foram colocados no jornalismo: o lugar de personagem. Sempre fomos lidos como sujeitos interessados na notícia; marginalizados por uma objetividade ilusória. Nos últimos anos, temos ocupado um lugar social de atores. Por isso, reivindicamos o lugar de fonte na escrita jornalística. Hoje, queremos ir além. Não queremos apenas falar e ser fonte autorizada; queremos ser os autores da escrita jornalística. Queremos ocupar a narrativa e disputar a arena de comunicação. Não queremos que falem por nós; nós queremos ser donos das nossas escritas, falando por nós, dos nossos e para nós. 

Escrevemos por uma geração inteira de anciãos que esperaram muito tempo para terem suas narrativas descritas por seus filhos, netos e bisnetos. 

O dia a dia de uma jornalista indígena consiste no conhecimento de legislação, saúde, educação, territórios e tudo o que trata sobre os povos tradicionais. Viajo acompanhando nossas lideranças, mas isso ocorre desde muito antes de me tornar jornalista. Hoje, acompanho mais no âmbito da comunicação, é uma vida dedicada a cobrir eventos e mobilizações, a ir em comunidades em caso de conflitos. Em matéria investigativa, eu normalmente fico mais de uma semana dentro do território.

Minha rotina como uma jornalista indígena

Acordo pela manhã, tomo o café e logo depois começo a abrir as páginas das organizações indígenas. Normalmente, é por onde se publica o que está ocorrendo nas aldeias. Ouço podcast sobre política, vejo o Whatsapp, abro os jornais e busco se há algo sobre as leis em tramitação no Congresso Nacional.

Temos que ficar em constante vigilância, pois somos nós que levamos as informações para as lideranças e para as comunidades, pautamos os conteúdos na imprensa e denunciamos a violência sofrida dentro dos territórios indígenas.

Nos últimos dois anos, desde o começo da pandemia, nosso trabalho tem se intensificado, pois além de falar sobre os descasos do governo com a saúde indígena, os territórios tiveram um número elevado de invasões, o garimpo aumentou e, consequentemente, os casos de violência e risco de genocídio. 

É cansativo ser jornalista indígena, pois dentro do movimento somos lideranças, ativistas e participantes de todo processo, e estamos a todo instante em mobilização, não há lugar e nem hora, sempre temos que estar prontos para cobrir nossos povos.

Se o nosso povo chama, nós jornalistas indígenas iremos!

Nosso comunicar é ativista, é ferramenta de luta na defesa de nossos direitos! 

Dicas para quem irá fazer abordagem sobre os povos indígenas 

Prévia da pauta

Certifique qual a organização indígena de base ou o líder indígena da região ou território a ser pautado.

Pesquise sobre o povo ou liderança que você jornalista irá escrever, pois é importante ter o conhecimento prévio do território, povo e cultura, para não cometer o erro de colocar todos em um só;

Ao entrar em contato com o líder ou organização de base, se apresente com a pauta escrita, objetivo, e qual será o retorno para a comunidade;

Tome cuidado para não pautar um líder que não representa o seu povo, por isso a importância do contato com as organizações de base;

Para entrar em um território, tenha por escrito a autorização; 

Tenha tempo para fazer todo o trâmite de fazer o contato com o líder que está na aldeia. Em muitos locais, não existe internet ou linha telefônica, é necessário paciência. 

Durante a entrevista 

Ao entrar no território, esteja sempre acompanhado do líder ou alguém que o líder local delegou;

Respeite as tradições e cultura do povo, não imponha nada;

Respeite a fala das lideranças, principalmente os anciãos; 

Não faça pergunta sobre outros povos, pois somos mais de 300 povos e não sabemos de todos. Por isso, a importância do conhecimento prévio.

Sobre o registro 

Não faça registro sem autorização dos moradores da comunidade ou aldeia; 

Leve a autorização de imagem e explique o objetivo; 

Respeite os momentos culturais e os rituais. 

A escrita 

Tenha sempre uma narrativa que converse com aquilo que foi proposto e apresentado para a comunidade ou aldeia;

Evite os termos pejorativos “Tribo” e “Indío”. É preferível usar “povo” ao usar etnias. Qualquer dúvida, pergunte ao líder como preferem ser abordados na escrita;

Importante saber o nome correto do entrevistado, com povo, território e aldeia. Na dúvida, mostre a eles a escrita;

 Lembre-se de entender bem o contexto no qual a comunidade se apresenta;

Não coloque todos os povos como um só, somos mais de 300 povos no Brasil, por isso a importância de conhecer e escrever corretamente sobre a região, território, Município e Estado, pois há muitos povos que estão em fronteira.

Da devolução 

Ao publicar, lembre-se de enviar a matéria ao entrevistado, se ele possuir e-mail, Whatsapp ou Instagram;

Se fez fotos, é legal mandar também aos entrevistados. 

Junte-se a nossa luta e apoie nossas causas! 

Um salve e muito obrigada a todas as apoiadoras e todos os apoiadores da Énois ♥

Ana Luiza Gaspar, Alessandro Junior, Amanda Rahra, Andrei Rossetto, Angela Klinke, Anna Penido, Alexandre Ribeiro, Bernardo de Almeida, Camila Haddad, Carolina Arantes, Claudia Weingrill, Danielle Bidóia, Daniela Carrete, Danielle Bidóia, Danilo Prates, Darryl Holliday, Evelyn Dias, Felipe Grandin, Fernanda Miranda, Fernando Valery, Flavia Menani, Fred Di Giacomo, Frederico Bortolato, Gabriel Araújo, Giuliana Tatini, Guilherme Silva, Gilberto Vieira, Harry Backlund, Iano Flávio, Juliana Siqueira, Júnia Puglia,Kelayne Santos, Larissa Brainer, Larissa Sales, Luciana Stein, Marina Dayrel, Maire da Silva, Mauricio Morato, Natalia Barbosa, Nataly Simon, Patrícia Grosso, Patty Durães, Rodrigo Alves, Rafael Wild, Renata Assumpção, Ricardo Feliz Okamoto, Susu Jou, Tatiana Cobbett, Thais Folego, Vanessa Adachi, Vinícius Cordeiro e Vitor Abud. Se você quer ver seu nome aqui, basta se tornar nossa apoiadora ou apoiador: benfeitoria.com/enois

Apoie a Énois! Com R$ 10 por mês (ou mais) você ajuda a gente a seguir fortalecendo e produzindo um jornalismo mais diverso! benfeitoria.com/enois

FacebookInstagramInstagram