19 de maio de 2021
Racismo tem na cobertura de polícia, e também na de gastronomia
Patty Durães, pesquisadora de culturas alimentares e produtora de gastronomia
Oi, tudo bem?
Meu nome é Patty Durães, tenho 45 anos e vivi 18 deles entre restaurantes, eventos e produções de gastronomia. Hoje me considero uma polinizadora de boas ideias, que roda o Brasil para entender um pouco mais sobre alimentação e produção agrícola. E assim, cheguei à curadoria de gastronomia da 19ª edição da Feira Preta em 2020 para implementar a parceria da Feira com o Prato Firmeza.
À convite da Énois, vim aqui conversar com você sobre um tema que pode ter passado despercebido na sua timeline.
A vida nos centros urbanos e nas grandes cidades é pautada pela forma como consumimos. A alimentação, ao lado da moda, da cultura e da música é grande responsável pelo direcionamento do nosso olhar e das nossas percepções de mundo. São Paulo é uma dessas megacidades conhecidas por receber, acolher e se tornar morada e residência comercial de pessoas do mundo todo. Ao lado das famosas Paris, Londres e Nova Iorque. Entre os anos de 2010 e 2019 o Ministério da Justiça e Segurança Pública registrou no Relatório Anual do Observatório das Migrações Internacionais – OBMigra 2019 – a chegada de mais de um milhão de imigrantes no Brasil. Mais de vinte mil só na cidade de São Paulo, em sua maioria haitianos, venezuelanos e colombianos.
Migrar, verbo transitivo indireto e intransitivo. Em sua etimologia, ir para outra parte, emigrar, mudar de moradia. Desde os primórdios da humanidade migramos, desde quando éramos nômades. E muitas são as forças internas ou externas que levam pessoas a esses movimentos.
Enquanto seres migratórios, carregamos nossas mais preciosas riquezas conosco. Para estarmos sempre conectados às nossas raízes, às nossas histórias. Para não perdermos nossa cultura, ancestralidade, referência. Se hoje eu fosse viver com minhas filhas em outro país, daria um jeito de levar comigo o que me acalenta, o que me faz lembrar a todo momento que sou brasileira, que mesmo longe do meu território ainda me conecto com ele. Talvez levasse farinha de mandioca, polvilhos para fazer tapioca, um pedação de carne de fumeiro, uma garrafa de óleo de dendê, uma de manteiga de garrafa com certeza, uns grãos bonitos de feijão vermelho, cachaça e as músicas que mais amo. Não só para mim, mas para compartilhar com os amigos que fosse conhecendo no caminho. Sentaríamos em qualquer lugar e eu poderia contar as histórias da minha casa enquanto fosse sapecando uma farofa com manteiga em um fogo qualquer.
É assim que me sinto quando vou comer em um restaurante africano, colombiano, vietnamita ou baiano em São Paulo. Me sinto nessa roda, aprendendo suas culturas através de suas comidas coloridas. Fico muito indignada quando ouço que dendê é forte, que toda comida baiana é apimentada, que todo prato africano é “exótico”, ou que é necessário “resgatar” o inhame. Resgatar por quê? Por acaso ele foi sequestrado? Aprendi isso com a pesquisadora Renata Moura e vou levar para a vida.
Nós nos fechamos no nosso mundinho colonizado e lá ficamos, sentados nos nossos privilégios, fechados a tudo o que vem da África e esquecendo que lá é o berço da humanidade. Que é de lá que todas as culturas beberam água na fonte, se apropriaram dela na música, na arte, na tecnologia, na forma de pensar e viver. E agora, torcemos o nariz.
Mas Patty, por que você está falando isso tudo? Vou te situar.
Esse mês fomos surpreendidos por um comentário extremamente equivocado da apresentadora Ana Maria Braga e um dos seus repórteres, o Thiago Oliveira, diante de um dos pratos do Chef Sam, proprietário do restaurante Mama Africa La Bonne Bouffe. Tratava-se do Ugali, um dos pratos mais tradicionais e carro-chefe do Quênia, à base de farinha de milho e água servida com um refogado de carne bovina, peixe defumado e legumes. Não vou reproduzir o comentário aqui, mas acredite: completamente desrespeitoso. O que levou a assessoria de imprensa da apresentadora a se desculpar publicamente, além da Ana Maria Braga se retratar por ligação com o Chef Sam.
O que eu peço licença para ressaltar aqui nessa Diversa, é que existe uma Ana Maria Braga dentro de cada um de nós. Nós que exaltamos os escargots e queijos envelhecidos franceses, nos lambuzamos com os curries apimentados da Índia, enaltecemos qualquer comida italiana nos editoriais de gastronomia das revistas e jornais, nos aventuramos sem grandes dramas pelos mares agridoces e picantes dos pratos tailandeses, demos mil pautas sobre paletas mexicanas no passado recente – e nesse momento, para os pokes havaianos – vislumbramos temakis no lanche da tarde e não pesquisamos mais sobre a variedade dos tradicionais pê-efes brasileiros.
Onde entra a comida africana no nosso dia, nas pautas de jornal e revista, nos cardápios dos nossos eventos, nos programas de televisão e nos jantares de datas especiais, na lista de compras?
Então, mais do que apontar o dedo para ela, eu quero apontar o dedo para essa ferida grandiosa. Essa nossa capacidade de amar tudo que é norte-americano e europeu, e de não estender esse amor para o que vem da África.
Como curadora de gastronomia da 19ª edição da Feira Preta, idealizada pela Adriana Barbosa, coloquei como condição básica a extensão do meu olhar para tudo de belo que estava sendo produzido por mãos negras nas periferias de São Paulo e vi ali uma oportunidade de aprender mais de perto sobre as comidas africanas do Chef Sam e da Chef Melanito Biyouha do Restaurante Biyou’z. Foi uma troca incrível, possibilitada pela parceria com o Prato Firmeza Preto – o guia gastronômico das quebradas de São Paulo.
E olha, a vontade de estender o projeto e mergulhar nas cores e sabores foi muita, pois são de uma riqueza cultural grandiosa. Só para listar algumas comidas tradicionais e lembrar que África é continente e não país: a África Ocidental tem seu arroz Jollof, que é um arroz amarelinho preparado com molho de tomate e servido com carne ou peixe; nos Camarões, tem o bolo de feijão chamando Koki; a Tunísia tem seu Cuscuz Royale, em Angola come-se muito a Muamba de galinha, na Nigéria a importante sopa de Egusi, que é um ensopado de sementes de melão. Percebe a diversidade de elementos e de sabores?
Deixo aqui algumas dicas para que você saiba como encontrar, pautar e principalmente como se comportar nos restaurantes africanos no Brasil.
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> Perguntas básicas para ir além da reportagem
> Como jornalistas podem ajudar pequenos negócios durante qualquer crise
> Dia 17 de maio foi dia internacional da luta contra a LGBTQIfobia. Saiba como fazer uma cobertura respeitosa à diversidade de gênero
> BONUS TRACK: Como não ser LGBTfóbica(o) na sua produção visual? Em 2020, Sanara Santos, nossa produtora-chefe, convidou Isabela Alves, artista visual e coordenadora de comunidades da Énois e Jana Machado, fotógrafa independente, para discutir o tema no Redação Aberta. Já prepara o caderninho, porque essas mulheres deram o nome nesse papo.
> Se você quiser continuar a refletir sobre gastronomia e periferia, vale conferir a reportagem do Guilherme Petro, ex-coordenador do Prato Firmeza, “Quando a favela come bem“, para o Ecoa UOL.
> No 1º de maio, a Abaré divulgou a segunda edição do levantamento “Jornalistas manauaras em meio à pandemia“. Desta vez, o foco foi medir como a pandemia da Covid-19 afetou a presença de mulheres, pessoas trans, negras, pardas e LGBTQIA+ nos veículos de Manaus. “Por aqui, a gente não tinha nenhuma pesquisa que nos permitisse comparar com o cenário pré-pandemia. (Mas quem trabalhou nas redações sabe como eram as coisas, né?) Com o levantamento, conseguimos ver que essas populações foram mais demitidas do que contratadas, ou seja, as redações estão menos diversas”, compartilhou Gabriel Veras, diretor editorial da Abaré. Pra quem quiser trocar uma ideia sobre a pesquisa, vale escrever pra elel: gavecabral@gmail.com
> E falando em Prato Firmeza… fiquem atentas e atentos porque em breve vocês vão poder ajudar a gente a fazer mais uma edição maravilhosa do PF! A gente quer expandir o projeto em território e temática pra falar sobre relação entre o campo e a favela no Brasil. O projeto está tramitando na Lei Federal de Incentivo à Cultura e foi enquadrado no Artigo 18, o que significa que as empresas e pessoas físicas que patrocinarem vão ter isenção de 100% do valor patrocinado. Agora só falta liberar a conta de captação pra gente começar a receber as doações de vocês!
> No dia 01/06, terça, temos um encontro marcado pra falar sobre equilíbrio emocional e cobertura da pandemia. Dá pra ter alguma saúde mental fazendo jornalismo nesse Brasil, Brasil? A Alice de Souza, nossa coordenadora de sistematização, vai mediar o papo com João Frey, editor do Congresso em Foco, e com o Guilherme Valadares, professor de equilíbrio emocional. É de graça, se inscreva!
> Saíram as primeiras divulgações da nossa parceria com a Agência Jovem de Notícias. A reportagem de Ethieny Karen, bolsista do programa Jornalismo e Território no Centro-Oeste, investiga como moradores da Favela Só Por Deus, em Campo Grande (MS), estão lidando com a dificuldade de garantir a nutrição infantil. Outra bolsista do Centro-Oeste, a Éricka Guimarães, contou como denunciar uma violação de direitos contra crianças e adolescentes.
> As 10 organizações do Programa de Diversidade nas Redações da Énois mergulharam nos dados e registros oficiais para investigar se as cidades brasileiras têm legislações que garantam cotas para concursos públicos municipais. A reportagem foi publicada no jornal Folha de S.Paulo no último dia 10 de maio. Jornalistas do nordeste, sul e sudeste fizeram uma força-tarefa na apuração e descobriram que há apagão de dados sobre cumprimento de cotas em concursos públicos em todas as regiões do país. Esta foi a primeira produção da Énois em consórcio. “É uma forma de fortalecer o entrosamento e potencializar a produção jornalística mais diversa das redações do programa”, contou Jamile Santana, nossa gerente de Jornalismo.
> Estudantes do 3º ano de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero produziram um trabalho acadêmico em formato de podcast sobre leis de incentivo e fomento ao jornalismo, para a disciplina de Empreendedorismo e Gestão de Projetos, ministrada pelo professor Jorge Tarquini, da Cásper. Nosso coordenador de Desenvolvimento Institucional, Ivan Barbosa, contribuiu com seus conhecimentos, ao lado de outros especialistas. Nosso agradecimento e parabéns pelo trabalho às e aos estudantes Ana Elisa Abddala, Angela Caritá, Bruna Sales, Gabriela Girardi, Mariana Galvão e Tiago Tortella.
> Estamos com os corações quentinhos e felizes de receber mais dois novos apoiadores. Bem-vindo e bem-vinda ao nosso financiamento coletivo Iano Flávio e Maire da Silva! O Iano foi editor-mentor no Programa Diversidade nas Redações. Sua passagem pelo programa foi muito importante, ele trouxe discussões sobre descolonização do jornalismo, propondo olhar para o território e pensar para quem se escreve! Maire, ainda não te conhecemos, mas já te consideramos muito! Conta pra gente quem você é!
Um salve e muito obrigada a todes apoiadores da Énois ♥
Ana Luiza Gaspar, Amanda Rahra, Andrei Rossetto, Angela Klinke, Anna Penido, Alexandre Ribeiro, Bernardo de Almeida, Camila Haddad, Carolina Arantes, Claudia Weingrill, Daniela Carrete, Danielle Bidóia, Danilo Prates, Darryl Holliday, Felipe Grandin, Fernanda Miranda, Fernando Valery, Flavia Menani, Fred Di Giacomo, Frederico Bortolato, Giuliana Tatini, Guilherme Silva, Gilberto Vieira, Harry Backlund, Iano Flávio, Juliana Siqueira, Júnia Puglia,Kelayne Santos, Larissa Brainer, Luciana Stein, Maire da Silva, Mauricio Morato, Natalia Barbosa, Nataly Simon, Patrícia Grosso, Rodrigo Alves, Rafael Wild, Renata Assumpção, Ricardo Feliz Okamoto, Susu Jou, Tatiana Cobbett, Vanessa Adachi, Vinícius Cordeiro e Vitor Abud. Se você quer ver seu nome aqui, basta se tornar nossa apoiadora ou apoiador: benfeitoria.com/enois