Uma história de dor, amor, coletividade e jornalismo

Por Sanara Santos 

Olá, Rede Énois! É muito bom reencontrar vocês neste começo de ano. Coube a mim a missão de escrever a nossa primeira Diversa de 2024 e trago boas novas…

A primeira é que iniciamos este ano olhando para a frente de uma maneira muito potente, olhando para o futuro. Sim, somos um laboratório que experiencia o jornalismo com a ótica da diversidade, representatividade e inclusão. Uma organização que completou 14 anos de existência cultivando ecossistemas de jornalismo local e sendo cultivada por eles.

Em 2024, escolhemos dar novos passos nesse cultivo… E um exemplo disso é a minha entrada para a direção da Énois.

Me chamo Sanara Maria dos Santos Araujo, nasci e fui criada na favela da Ilha, uma pequena comunidade que fica entre a zona leste de São Paulo e Santo André, no ABC Paulista. Por estar nesta fronteira, fui esquecida e pouco cuidada pelas políticas públicas. Assim como meu corpo, assim como o jornalismo local.

Viver entre as ruas, becos, lajes e vielas moldaram minha visão sobre o mundo que vivemos, crescer em um ambiente tão complexo onde as violências, vulnerabilidades, potenciais e culturas coexistem, me levaram desde nova a entender que “sozinha eu não aguento”. Para quem mora na favela, essa é uma das primeiras  percepções: a coletividade é necessária para garantir a nossa existência.

E como mulher trans e negra, dentro da comunidade, encontrar uma coletividade que abarcase quem eu era e quem eu sou foi desafiador. Por muito tempo, eu vivi na sombra do que eu queria ser. Até que chegou o momento em que meu corpo tomou a frente e decidiu por ele mesmo se mostrar…

Como disse Angela Davis, “quando uma mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”. Mas, às vezes, esse movimento não é tão fácil de vivenciar. Em 2017, me encontrei expulsa de casa carregando apenas a minha vulnerabilidade e sendo acolhida por um coletivo anarquista no ABC Paulista. Neste momento, nascia Sanara Santos.

(Sanara à época do coletivo anarquista, em 2017. Foto: Arquivo pessoal)

Assim a vida se apresentou. Dura, real e implacável. Foi onde o destino cruzou meu caminho com a Énois. Primeiro com uma plaquinha escrita “Este restaurante é Prato Firmeza”. Anos antes de eu entrar para o coletivo anarquista, a Énois já tinha passado lá mapeando restaurantes e iniciativas de comida para o Prato Firmeza, o nosso guia gastronômico das quebradas.

Meses depois da nossa atual Agente de Dados e Impacto,e também minha grande amiga, Mel Oyá, entrou para a Escola de Jornalismo, que foi o principal projeto da Énois durante anos. Dez jovens das periferias de São Paulo eram convidadas e convidados a se aprofundar sobre conhecimentos ligados a um jornalismo diverso e inovador, no período de um ano. Foi neste ano que a Énois produziu o seu segundo Prato Firmeza e um documentário chamado Jovens e a Grana, em que  fui convidada para mostrar a minha vivência com o dinheiro sendo uma jovem que sobrevivia da arte e sem apoio familiar.

Ter a oportunidade de contar a minha história para jovens comunicadores acendeu uma chama em mim, quem é jornalista sabe muito bem do que estou falando. Eu senti o poder da comunicação e queria aquilo pra mim.

Decidi me aproximar da Énois não apenas como uma espectadora, mas como alguém determinada a fazer parte dessa transformação. Ingressei em 2018 nos programas oferecidos, ávida por aprender e crescer. Hoje posso afirmar que cada oficina moldou minhas habilidades e expandiu minha visão de possibilidades de existência pessoal e profissional.

Se colocando para jogo

E como tudo é um via de mão dupla, o pessoal da Énois (na época, Amanda Rahra, Simone Cunha, Nina Weingrill, Gisele Brito, Simone Freire, Vinicius Cordeiro e Vicente Goés), também identificou algo meu que era importante para a organização. Quando terminei a Escola de Jornalismo, não sai da Énois, me coloquei para jogo assim como fui colocada e incentivada a permanecer. Foram freelas, cafés com bolos, risadas e acolhimento que desenharam um lugar pra mim.

No final de 2019, a Énois passou por uma reestruturação e acabei entrando para a equipe fixa. Primeiro, como residente e depois como produtora chefe de formação. No ano seguinte, me tornei Coordenadora de Formação, totalizando mais de 200 encontros formativos dentro dos projetos da Énois, aprendendo com o DNA educador da organização e compartilhando a minha essência. Me descobri aqui uma boa educadora.

Para mim, os anos passaram voando e em 2024 aqui estou eu. Não como participante, mas como membro ativo da diretoria da Énois. Esta jornada foi uma montanha-russa de aprendizado, desafios e conquistas, sempre com coletividade. Tornei-me uma testemunha viva da capacidade da Énois de transformar vidas, inclusive a minha. Assumir o papel de diretora é um privilégio e uma responsabilidade que levo com orgulho. Estou ansiosa para continuar contribuindo para o impacto positivo da Énois e inspirar outros jovens a escreverem suas próprias histórias de sucesso.

Aqui começamos o ano com novos planejamentos, novos desafios, uma nova diretora e muita vontade de continuar transformando o jornalismo, juntas, porque é mais legal e podemos ir mais longe. E foi assim que esse sonho se tornou realidade.

Quero deixar um breve agradecimento a Nina Weingrill e Leticia Tavres, minhas antecessoras no cargo de Diretora, a toda rede Énois que passou pelas nossas formações, e às minhas colegas de trabalho.

E não poderia esquecer que esse espaço é celebrado após o mês da Visibilidade Trans, enquanto muitas mulheres trans, travestis, homens trans, trans masculinos e não binários, lutam para conquistar sonhos e escapar de uma realidade regada de dor e ódio. Mas também encontram momentos como este para celebrar utopias.

Que a gente nunca esqueça: Nada sobre nós, sem nós!

Um salve e muito obrigada a todas as apoiadoras e todos os apoiadores da Énois ♥

Ana Luiza Gaspar, Alessandro Junior, Amanda Rahra, Andrei Rossetto, Angela Klinke, Anna Penido, Alexandre Ribeiro, Bernardo de Almeida, Camila Haddad, Carolina Arantes, Claudia Weingrill, Danielle Bidóia, Daniela Carrete, Danielle Bidóia, Danilo Prates, Darryl Holliday, Evelyn Dias, Felipe Grandin, Fernanda Miranda, Fernando Valery, Flavia Menani, Fred Di Giacomo, Frederico Bortolato, Gabriel Araújo, Giuliana Tatini, Guilherme Silva, Gilberto Vieira, Harry Backlund, Iano Flávio, Juliana Siqueira, Júnia Puglia,Kelayne Santos, Larissa Brainer, Larissa Sales, Luciana Stein, Marina Dayrel, Maire da Silva, Mauricio Morato, Natalia Barbosa, Nataly Simon, Patrícia Grosso, Patty Durães, Rodrigo Alves, Rafael Wild, Renata Assumpção, Ricardo Feliz Okamoto, Susu Jou, Tatiana Cobbett, Thais Folego, Vanessa Adachi, Vinícius Cordeiro e Vitor Abud. Se você quer ver seu nome aqui, basta se tornar nossa apoiadora ou apoiador: bit.ly/enoisapoie

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