16 de julho de 2022
A minha geração, aquela que cresceu nos anos de 1990 ouvindo rap e sonhando em fazer a revolução, sabia que aquilo que era dito nos meios de comunicação tradicionais não representava a nossa realidade.
Gisele Alexandre, jornalista da Manda Notícias
Oi, tudo bem com você? Espero que sim! Aqui é Gisele Alexandre, sou jornalista do Capão Redondo, periferia da zona sul de São Paulo, fundadora do podcast Manda Notícias e atualmente estou coordenando um projeto muito legal aqui na Énois chamado Mapa do Jornalismo Local.
Fui convidada pra te contar um pouco de como foi construir esse projeto, além disso, gostaria de te propor uma reflexão sobre a importância do jornalismo local para as periferias e favelas do Brasil. Bora trocar essa ideia?
Eu já tinha 23 anos quando comecei a faculdade de jornalismo. Naquela época, início dos anos 2000, a internet era bem limitada, e a gente na quebrada achava que jornalismo era só aquele que passava na TV aberta ou que vendia na banca de jornal. Só que não!
A minha geração, aquela que cresceu nos anos de 1990 ouvindo rap e sonhando em fazer a revolução, sabia que aquilo que era dito nos meios de comunicação tradicionais não representava a nossa realidade. E foi por causa desse incômodo que começaram a surgir as primeiras mídias locais, pelo menos é essa a história que eu conheço e, com muito orgulho, faço parte.
O jornalismo local produzido por comunicadores e comunicadoras das periferias e favelas tem o compromisso de levar informação a partir da realidade de quem vive nas bordas da cidade e, muitas vezes, está às margens dos seus direitos fundamentais.
> Como contar sua história da quebrada para o mundo
>Como proteger o jornalista local
> Como fazer um mapa afetivo para encontrar pautas no território
Esse tipo de jornalismo, que algumas vezes é invisibilizado e até colocado em dúvida, é capaz de compreender as necessidades dos moradores e moradoras de uma maneira única. Afinal, quem se propõe a atuar nesse trabalho quase sempre é também um integrante da comunidade, então sabe e sente quais as necessidades do público dali. Dessa maneira, produz notícias com a certeza de sua relevância. O comunicador e a comunicadora periférica não são apenas “narradores de fatos”, muitas vezes eles e elas também são fontes ou personagens das histórias contadas.
E é por isso que, pra mim, saber quem são e como atuam esses jornalistas das quebradas e de municípios onde a cobertura jornalística é escassa, é de extrema importância. Por que assim podemos nos fortalecer nesse trabalho, que também é uma luta de classe por um jornalismo mais plural e diverso.
Para construir o Mapa do Jornalismo Local, selecionamos quatro jovens pesquisadoras, comunicadoras e moradoras de territórios periféricos, para levantarem dados de veículos jornalísticos e de difusão cultural existentes nas bordas dos 39 municípios que compõe São Paulo e região metropolitana. Nosso objetivo foi construir um grande mapa interativo das iniciativas que trabalham pela democratização da cultura e do jornalismo nas periferias, identificando produtores de conteúdo que utilizam da comunicação e do jornalismo como ferramentas para informar e valorizar a cultura local.
Ao longo da realização do levantamento, nós e, principalmente, as pesquisadoras, fizemos muitas descobertas interessantes que provocaram inúmeras reflexões. A pesquisadora Ana Cristina da Silva Morais, moradora do Capão Redondo, trouxe para o grupo a subjetividade do termo “periferia”, um substantivo muito comum na capital paulista, usado para designar não apenas uma região geográfica que está nas bordas da cidade, mas também bairros vulneráveis. Porém, isso não fica tão evidente quando aplicado no contexto de um município menor, onde as limitações territoriais e de classe são mais complexas.
Todo o levantamento foi feito de maneira virtual, por isso, um dos principais desafios das pesquisadoras foi identificar veículos locais que usam as redes sociais como principal, e muitas vezes único, canal de difusão dos seus conteúdos. Para a pesquisadora Ariane Costa Gomes, moradora de Osasco, apesar do grande número de páginas que se identificam como noticiosas, não são muitas aquelas que se propõem a produzir notícias locais. Entretanto, aquelas que se comprometem com o jornalismo local, atuam a partir de pautas sugeridas pela própria comunidade, o que demonstra a relação de proximidade com o público, uma das características desse tipo de jornalismo.
Mas deu pra descobrir coisas muito relevantes. Na intersecção de raça e gênero, por exemplo, identificamos que há maior incidência de homens negros liderando iniciativas de comunicação: 40% (total de pretos e pardos), à frente de homens brancos (31%). A soma de mulheres pretas e pardas (15%) também é maior que o número de mulheres brancas (6%) na liderança. O cenário visto na imprensa tradicional, portanto, não se repete nas iniciativas locais mapeadas, como avalia o estudo da Reuters Institute for the Study of Journalism, que mostrou que, enquanto cerca de 57% dos brasileiros se declaram pretos e pardos, nenhum negro lidera os maiores jornais, portais e emissoras do país.
> Usando as métricas para medir o impacto no jornalismo
> Como produzir dados a partir do território
> Como criar uma linha editorial a partir do território
Outro ponto interessante trazido pelas pesquisadoras diz respeito à sustentabilidade dos veículos locais. A pesquisadora Katia Flora dos Reis, moradora de São Bernardo do Campo, percebeu durante sua investigação que os efeitos econômicos causados pela pandemia da Covid-19 também influenciaram na continuidade do trabalho desses comunicadores. Isso porque alguns anunciantes precisaram suspender o serviço, e como essa é a fonte de renda de muitos veículos, isso acabou impactando diretamente na produção de conteúdo.
Não posso deixar de dizer que nós vivemos um momento de alto volume de informação e, principalmente, de propagação de muita notícia falsa. Especialistas dizem que vivemos uma infodemia, e essa crise de informação também é fomentada e gerada por veículos locais, administrados por pessoas com intenções bem estabelecidas.
Para eliminar do levantamento canais que propagavam notícias falsas ou então tinham forte alinhamento com políticos locais, todos os meios mapeados passaram por uma checagem editorial.
Nesse sentido, um dos desafios encontrados pela pesquisadora Jessica Suellen Palmeira Silva, moradora de Mogi das Cruzes, foi o de conseguir as informações necessárias para o levantamento, pois, parte dos veículos, estimulada pela onda de notícias falsas, também desconfiou da credibilidade da nossa pesquisa.
Agora que já te contei um pouco sobre o nosso processo de pesquisa e os desafios encontrados ao longo deste trabalho, quero te convidar a conhecer o Mapa de Jornalismo Local, e convidar veículos do seu território a compartilharem essa rede!
6 dicas para mapear os veículos de comunicação no seu território
Abraços!
Gisele Alexandre
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