A experiência de distribuição do DELAZINE

Diversa

A experiência de distribuição do DELAZINE

 

27 de novembro 2021

 

Ver o trabalho realizado impactar positiva e diretamente aquelas jovens e ter escrito um conteúdo que possa fazer diferença em suas vidas não tem preço.

 

Tatiana Moreno é artista visual, livreira e jornalista freelancer

Sou mulher, negra, periférica de São Paulo capital, morando atualmente no centro-oeste. Há mais de sete anos moro aqui no planalto central e tenho sentido a importância de militar onde quer que nós estejamos. Especialmente naqueles lugares que percebemos que a nossa pequena contribuição pode ajudar de alguma forma.

Indignação é o sentimento que originou todo esse trabalho. Ver adolescentes grávidas, em torno de seus 13 a 17 anos no bairro do Bonfim em Pirenópolis, estado de Goiás, me fez querer agir de algum modo para, quem sabe, interferir nessa triste situação. 

Tudo começou quando, participando de um grupo de Whatsapp de mulheres negras em Pirenópolis, vi a chamada para o curso de formação de Jornalismo e Território para a região do Centro-Oeste, oferecida pela Énois. Eu já estava interessada em saber um pouco sobre o universo das notícias e sobre o jornalismo quando vi essa oportunidade.

Mesmo a formação tendo como foco, no final do curso, propostas de pauta sobre a  primeira infância, não saía da minha cabeça compreender e ir atrás do que me perturbava: a maternidade precoce na adolescência.

Mantive essa ideia e propus a matéria para a equipe da Énois, que gentilmente, aceitou. Não perdi tempo. Corri atrás de todas as pessoas e de fontes que poderiam contribuir para o levantamento de dados.

Desde professora, líder comunitária, agentes culturais, conselho tutelar, CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) e CREAS (Centro de Referência Especial de Assistência Social), conversei com várias pessoas para entender o contexto e as diversas realidades de meninas e famílias em situação de vulnerabilidade social na periferia de Pirenópolis.

Esse momento foi muito difícil. Logo na primeira entrevista ouvi histórias terríveis. Sabia como estava começando, mas não sabia como ia terminar emocionalmente. Realidades tristes, cruéis, miseráveis e violentas que começam dentro de casa, cometidas, muitas vezes, por parte daqueles que deveriam ser as pessoas a proteger aquelas garotas. Comecei a ficar bastante abalada desde a primeira conversa.

Uma vez colhidos todos os depoimentos que consegui, foi momento então de escrever a matéria que foi veiculada no Jornal Opção, jornal online, de Goiás, e no blog do coletivo “Mulheres Negras Dandara do Cerrado”. Em seguida, o momento que eu mais aguardava era produzir o que chegaria de fato às mãos das adolescentes. O fanzine.

Um fanzine é uma publicação que pode ser caseira ou não, de baixo custo e tem por objetivo circular de modo alternativo entre aqueles que têm o mesmo interesse num assunto em comum. Foi um tipo de impresso muito circulado nos anos 60 na Europa, especialmente na França. No nosso caso, o DELAZINE (nome carinhosamente escolhido para ser o “fanzine delas”), tem como tema o universo feminino. O objetivo é dialogar com as adolescentes neste período de vida onde tudo é novidade, com as transformações corporais e psicológicas acontecendo, e ser um pequeno manual de informações úteis. 

Escolhi produzir esse material, e não em outro formato, tanto pelo seu caráter subversivo (o que é da natureza dos fanzines) como para despertar o interesse no público-alvo de, quem sabe, também produzirem o seu próprio conteúdo. Além de ser um objeto tátil, real, criativo e acessível que não depende de qualquer fator externo, como acessar à Internet, energia, ou qualquer outro motivo que dificultasse a sua leitura.

O DELAZINE traz em suas 9 páginas as seguintes questões: qual é o seu sonho?; auto estima; ilustração do aparelho reprodutor feminino e seu funcionamento; tipos  de absorventes; o que é menstruação?; mapa de zonas íntimas do corpo; telefones úteis para denúncia contra violências e abusos; e o conto do “Barba Azul” (a história do Barba Azul conta, basicamente, sobre aqueles sinais que o nosso instinto – inconsciente – capta, mas que, por forças externas ou sociais, os desconsideramos, o que segundo a história, pode ser fatal).

Finalizado, aprovado e financiado pela Énois, os exemplares foram distribuídos gratuitamente para adolescentes no bairro do Bonfim (bairro que foi o recorte da matéria), durante as feiras livres na cidade, e para agentes de educação, agentes de  saúde, agentes filantrópicos (que poderiam ser multiplicadores do conteúdo) e pontos de distribuição como manicures, bancas de jornal e cafés. A sacada estratégica de distribuição e circulação, para que o conteúdo pudesse chegar às mãos das meninas, muito se deu pelos encontros durante o momento da formação de Jornalismo e Território. Entender o território e os possíveis agentes multiplicadores foi chave para pensar onde poderiam ser os pontos de entrega dos fanzines.

Uma ideia para que o fanzine não ficasse limitado apenas ao conteúdo criado e conseguisse dar conta das demandas que viessem, foi fazer a extensão virtual do DELAZINE virtual por meio de uma conta no Instagram. Por ali, o diálogo e a criação de mais conteúdo seria mais enriquecido com o contato direto das seguidoras.

Mas o grande momento aconteceu a partir da entrega de um dos zines para uma professora do ensino público. Surgiu então a oportunidade de falar diretamente com alunas do sexto ano ao Ensino Médio sobre o conteúdo ali proposto. O encontro com elas foi o fechamento do projeto de todo um ano de trabalho, pois proporcionou o contato direto do produto com o público-alvo e a possibilidade de dialogar e falar diretamente com as adolescentes e entender melhor o seu universo.

Ver o trabalho realizado impactar positiva e diretamente aquelas jovens e ter escrito um conteúdo que possa fazer diferença em suas vidas, não tem preço.  A minha estreia na área do jornalismo não poderia ser melhor. 

Não posso finalizar sem agradecer a Sanara Santos, Jamile Santana, Leilane Menezes, Alice Souza, Isabela Alves, Gabriella Mesquita, Nina Weingrill, todas as palestrantes do curso de formação de Jornalismo e Território Centro-Oeste, aos colegas que participaram junto comigo, todos os agentes e em especial a todas as meninas e jovens mulheres de hoje que são o legado de nossa ação.             

Aqui, separamos um passo a passo para você entender melhor as tarefas gerais que podem te orientar a fazer uma distribuição mais efetiva e, portanto, um jornalismo de mais impacto, a exemplo do que a Tatiana fez. 

Estas etapas foram construídas por Gabriella Mesquita, analista de distribuição na Énois. Você pode conferir a metodologia completa no Guia Metodológico de Distribuição da Énois

04 dicas para distribuir jornalismo de forma diversa

Defina quem irá construir o plano de distribuição. Para começar a fazer um plano de distribuição, você precisa reunir a equipe que ficará responsável por ele. O ideal é que o processo envolva a pessoa responsável pelo financeiro da instituição, a coordenadora do veículo ou da redação e uma repórter (ou a pessoa diretamente envolvida com a produção).

Faça pesquisas iniciais. Após selecionar a equipe responsável, o próximo passo é fazer três mapeamentos: uma pesquisa para conhecer quem é o seu comunicador/a ou sua equipe; uma pesquisa para conhecer quem é o seu público; uma pesquisa para identificar quem é o público que você quer atingir.

Escuta. O seu plano pode contemplar ainda um processo de escuta sistemático para consultar o seu público no desenho de cada produto que pretende fazer. Assim, você consegue desenhar com maior alinhamento ao público final a distribuição desde o começo do planejamento da pauta.

Estratégias de distribuição. Com base em cada escuta, faça o cruzamento dos dados e defina quais serão as estratégias de distribuição que você consegue fazer. Você pode dividir a lista de estratégias em ações de rua (offline) e ações digitais. Cada estratégia, quando selecionada de acordo com a pauta, começará a ser executada ao mesmo tempo que há a produção do conteúdo.

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> Ficou sabendo? Prato Firmeza Preto é vencedor do Prêmio Jabuti na categoria Economia Criativa! Por aqui, estamos felizes que só! Baita reconhecimento desse trabalho feito a muuuitas mãos. Um agradecimento especial para nossas parceiras e parceiros da Alma PretaAgência MuralFeira PretaPeriferia em MovimentoPreto Império e Vozes das Periferias.

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