Énois aposta em fundo de investimento como uma estratégia para ampliar seu poder de financiamento junto às iniciativas de jornalismo diverso

A proposta da entidade é usar o rendimento da aplicação para ter maior autonomia e flexibilidade na seleção das organizações e jornalistas a serem contempladas com suas  ações

A Énois deu o primeiro passo para se tornar uma organização de apoio direto ao jornalismo local e periférico, com o aporte de R$ 1 milhão em fundo de investimento, que foi criado para fortalecer institucionalmente a entidade e as organizações jornalísticas locais. “Várias organizações têm seus fundos de Endowment, que estão captando, mas normalmente são criados para reinvestir na própria organização. O que a gente está propondo é o contrário: que o rendimento deste fundo possa ser distribuído”, explica Nina Weingrill, diretora financeira da Énois.

A Énois é um laboratório que há 13 anos defende, propaga e fortalece a diversidade, representatividade e inclusão no jornalismo brasileiro, atuando a partir de três eixos: formação voltada para as necessidades dos/das jornalistas e suas comunidades locais; construção de rede entre jornalistas locais e redações para ampliar a diversidade e cobertura territorial; distribuição de conhecimento e recursos financeiros para projetos de comunicação e jornalismo local.

O Endowment é conhecido como fundo patrimonial de longo prazo, onde os recursos são adquiridos por meio de doações de pessoas físicas e jurídicas. Esse mecanismo permite às Organizações da Sociedade Civil (OSCs) possam captar recursos para sua manutenção financeira.

Esse fundo se junta à estratégia da Énois de investir cerca de 40% do que é captado em veículos de jornalismo local do país. “No ano passado, 30% do nosso orçamento captado foi distribuído para organizações e jornalistas. A gente conseguiu fazer esse processo mesmo sem ter o fundo de recurso”, conta Nina. Para fortalecer essa iniciativa, a proposta é captar, até 2025, R$ 4 milhões para o fundo, que, somado ao R$ 1 milhão já investido, chegará ao montante de R$ 5 milhões. A partir daí, o rendimento deste investimento poderá ser distribuído para projetos que fortaleçam a democracia no país. “A gente entende que esse fundo não é exclusivo para pensar e fomentar o jornalismo, e sim um fundo para fomento à democracia. Mas, entendemos também que o jornalismo de fato precisa ser um ator capaz de ajudar a construir a democracia.”

Outra compreensão da Énois é que essa construção não será feita de forma isolada, mas aberta e coletiva com outras organizações, “inclusive para trazer organizações que também possam ter interesse em investir”, diz Nina. A há, ainda, o cuidado com onde esse fundo de investimento está aplicado “esse fundo tem todos os critérios ESG, para que a gente não coloque o dinheiro para render em fundos que investem em agro, mineração e empresas que exploram mão de obra”, explica.

A sigla ESG, significa Environmental, Social and Governance. Em português, podemos falar investimentos com critérios ASG, sigla para as palavras Ambiental, Social e Governança, ou seja, representa um conjunto de boas práticas empresariais que se preocupam com critérios ambientais, sociais e parâmetros de excelente governança corporativa.

Com esse modelo de financiamento, a Énois também mostra que é possível atuar em rede e construir estratégias de sustentabilidade para os veículos de comunicação. A entidade já tem uma rede de mais de 200 organizações locais e 2.000 jornalistas nos territórios por todo o país, aptas a receberem esse aporte. 

Impacto de distribuição de conhecimento e recursos financeiros 

A Énois foi fundada em 2012 e, desde então, já formou mais de 900 jornalistas presencialmente e outros 4 mil online. Só em 2022, distribuiu mais de R$ 450 mil em bolsas para financiar a produção de jornalismo local e hiperlocal em 21 estados, e mobilizou um orçamento de quase R$ 2 milhões para promover a inclusão e diversidade no jornalismo brasileiro, por meio dos programas Diversidade nas Redações e Jornalismo e Território.

O Diversidade nas Redações é um programa que apoia veículos de comunicação locais com viés de diversidade e representatividade e tem como foco a produção, gestão e captação de recursos, já teve a participação de 20 organizações de 13 estados do país. 

Uma dessas organizações é o Nonada Jornalismo, uma organização jornalística sem fins lucrativos com sede em Porto Alegre/RS, que atua com enfoque em pautas sobre processos artísticos, políticas culturais, comunidades tradicionais, culturas populares, censura e direitos humanos, memória e patrimônio. 

A jornalista e editora do Nonada Thaís Seganfredo relata que a redação participou do programa no momento em que estava passando pela institucionalização, após aproximadamente 10 anos sendo um coletivo informal de jornalismo. “Em 2018, a gente decidiu tentar gerar renda e nesse momento fomos selecionados no Diversidade. Foi nos encontros que eu me senti segura e acolhida, que aprendi os processos de gestão de pessoas, gestão de negócios, de formação de cultura, documentação de todos processos. Tudo que envolve as camadas de gestão eu aprendi participando do Diversidade”, diz Thaís.

Essa realidade não é exclusiva do Nonada, muitas organizações apoiadas pela Énois não têm um CNPJ. “Às vezes, é o primeiro investimento que a organização recebe. Com esse investimento ela vai poder sair do nível zero de recurso para um nível onde já consegue minimamente contratar uma contabilidade, criar seu CNPJ, abrir seu MEI”, explica Nina.  A diretora financeira da Énois complementa ainda que esse processo contribui para a institucionalização e fortalecimento das redações. 

“A participação de fato no projeto foi evoluindo de forma prática dentro do Nonada e isso também ampliou nossa sustentabilidade. A própria profissionalização e o entendimento de que a gente precisava pensar na diversidade e no que a gente estava fazendo como um todo”, exemplifica Thaís. Esse despertar para olhar de forma estratégica para organização possibilitou que o Nonada conseguisse acessar editais. 

Sediado em Porto Alegre, o Sul 21 também participou do Diversidade nas Redações. O jornal é um site de notícias independente, lançado em 2010 e, desde 2020, é administrado coletivamente pelos profissionais envolvidos no dia a dia da redação. A editora do jornal, Ana Ávila, destaca o intercâmbio entre as redações como elemento importante no processo de sustentabilidade. “Ter redações de diferentes partes do Brasil, vivendo momentos diferentes e se sustentando de maneiras diferentes é muito rico. Ver o que o colega está fazendo lá no Recife ou em Curitiba, ou Belo Horizonte, nos trouxe ideias de coisas que a gente poderia tentar colocar em prática”, diz Ana.

Outro ponto destacado pela editora é a mudança na forma de pensar, produzir e olhar as redações. “A gente começa a enxergar o outro como parceiro e não concorrente”, pontua. Nesse viés, Thais diz que aprendeu com a Énois “questões subjetivas, tipo de generosidade, de troca, de paciência, de humanidade. Então, acho que esses valores também são muito importantes”.