Uma jornalista que pauta um olhar diverso para o feminino e uma cobertura trans para além do gênero

Qual imagem e conceito de ser mulher e mulher trans os meios de comunicação criam? “A mídia cria um padrão de comunicação para esse determinado corpo. A gente vai ter acesso às mulheres trans na mídia, que são mulheres trans passáveis, que tem passabilidade”, diz a multiartista e jornalista Sanara Santos, de 23 anos, no dia Internacional da Imagem da Mulher nos Meios de Comunicação (14 de setembro).

A multiartista criada na Favela da Ilha, no Jardim Planalto, zona leste de São Paulo, questiona com sua existência e produção – no jornalismo, na formação e na arte – como mulheres trans são retratadas e incluídas nas produções midiáticas. Jornalista negra e trans, reporta a partir do território e de sua ancestralidade, e vê o jornalismo local como fundamental para o processo de descolonização da escrita e da visão de mundo em relação aos corpos negros, trans e periféricos.É o que Sanara faz desde que encontrou a Énois. O primeiro contato foi como personagem do documentário “A grana dos jovens”, feito pela turma de 2016 da Escola de Jornalismo (percurso formativo para jovens comunicadores das periferias, realizada pela Énois até 2019) e publicado no UOL Tab.

No ano seguinte, ela entrou na turma e se tornou repórter, publicando em veículos parceiros. Hoje atua como coordenadora das formações da organização, desenhando e planejando processos que fortalecem jornalistas e organizações dos territórios, esse ano, foi a única jornalista trans indicada para o Prêmio Mulher Imprensa, em 2022.

Sanara aponta que a mídia criou um formato para debater os corpos trans que força as mulheres a caber em padrões. “A mídia ajuda a gente a criar um imaginário coletivo do que é ser mulher trans. E isso vai cobrar das pessoas coisas que só estão na mídia”, argumenta.E é papel do jornalismo desconstruir isso em si mesmo. É preciso espaço para escrever as pautas trans, além do recorte de gênero, pois há outras diversidades existentes na vivência dessas mulheres, como raça, território, questões ligadas à saúde, entre outras. “Eu busco trazer um conteúdo mais decolonial e simples também, porque a gente não precisa lidar toda vez com complexidade para explicar as coisas.”

Esse trabalho de desconstruir uma cultura de estereótipos a partir do jornalismo diverso, ajuda a construir a credibilidade das pessoas e corpos trans. E Sanara já vem colhendo frutos dessa credibilidade. Além da indicação ao Prêmio Mulher Imprensa na editoria de diversidade, ganhou o Prêmio Neusa Maria, que é um reconhecimento para jornalistas negras. 

Para Sanara, é uma alegria ser indicada e receber prêmios, mas diz que sua maior premiação é ter seu trabalho reconhecido. “Nem preciso ganhar o prêmio, porque só a indicação mostra que tem pessoas assistindo e lendo meu trabalho (…) A gente vive em um modelo de sociedade, que a gente tem uma briga de narrativa. É uma disputa diária. E são essas ações que vão fazendo a nossa narrativa e ganhando mais espaço, credibilidade”.

Sua primeira matéria teve como inspiração suas raízes. Ela escreveu sobre seu avô, um pedreiro que ajudou a construir as primeiras casas da Favela da Ilha. De lá pra cá, a jornalista junta suas inquietações, anseios, sonhos e lutas para escrever e dar visibilidade para questões que não são pautadas pela mídia tradicional, como a luta por direitos das pessoas transgêneras. “Eu senti a necessidade muito grande de escrever conteúdos ligados às questões que me atravessavam e que eu sentia que não eram contadas”, explica.   

A menina que encontrou na arte e na comunicação um espaço para se expressar, hoje sonha e luta para viabilizar a construção de um veículo feito por pessoas trans. “É uma iniciativa que a gente tá começando, que já tem até nome. Será um espaço para se pautar histórias que não foram contadas, também possibilitar esse lugar de construção para as pessoas entenderem como pautar corpos trans com respeito”, explica.