14 de Abril de 2021
Acesse a Régua da Diversidade
Jamile Santana
Gerente de Jornalismo da Énois
Essa é a minha primeira vez por aqui, então é um prazer estar mais pertinho de você, leitora ou leitor! Se você acompanha a Diversa e as nossas redes sociais, deve saber que desde o ano passado lançamos o Diversidade nas Redações, um programa da Énois que reúne dez redações brasileiras – de diferentes perfis, regiões e tamanhos. Inédita e exclusiva no país, a iniciativa treina repórteres, editoras e editores para serem capazes de implementar ferramentas de diversidade nos veículos em que atuam. As ações contemplam gestão, equipe, produção jornalística, relacionamento com a audiência e área de cobertura.
Vim aqui contar para vocês um pouco sobre o que temos desenvolvido no Diversidade nas Redações e como chegamos no desenvolvimento da Régua de Diversidade. Mas para isso, preciso dar o contexto. Vamos lá?
As formações são dadas por especialistas convidados, como André Santana, Ítala Herta, Kátia Brasil e Fabiana Moraes, conselheiras e conselheiros do programa, e muitas outras pessoas. A partir destes encontros, o programa tem proposto mudanças estruturais significativas nas redações e na produção jornalística das e dos repórteres. Algumas de curto prazo, como as provocadas pela análise do perfil das pessoas que mais são retratadas ou ouvidas como fontes nas matérias ou pelas rodas de conversa para analisar as pautas e trazer vieses pouco abordados à tona.
Outras mudanças têm prazo médio, como as que são fruto da sistematização de processos de contratação que priorizem a trajetória social e recortes de raça e gênero das pessoas, ou a criação de espaços de escuta para cuidado e saúde mental das e dos jornalistas.
E, claro, há aquelas que são mudanças de longo prazo, como as que surgem a partir do investimento financeiro para atender demandas específicas de profissionais com perfil diverso, do investimento em análise da produção jornalística ou da análise aprofundada do perfil territorial de cobertura, por exemplo.
Sabemos que a diversidade é uma construção e que o tempo de colheita dessas sementes plantadas é diferente para cada veículo. Um jornal independente pode implementar novas ações de diversidade no seu dia a dia de produção jornalística com muito mais facilidade do que um veículo com normas já estabelecidas, por exemplo.
Por outro lado, a sustentabilidade de veículos ligados a grandes grupos de comunicação podem proporcionar um investimento mais rápido e em maior volume em ações mais específicas de gestão e estrutura.
Por isso, ao desenhar o programa tivemos a necessidade de criar uma metodologia que permitisse diagnosticar a posição de cada redação nesse caminho para a construção da diversidade. Assim, conseguimos oferecer um treinamento a partir do perfil específico de cada veículo, e, depois disso, medir os impactos dessas mudanças.
No processo, entrevistamos jornalistas de programas americanos como o Kevin Grant Report for América e Darryl Holliday do City Bureau para entender como eles e elas rastrearam impactos a partir de seus projetos. Com alguns insights importantes e pesquisas sobre como indicadores são construídos a partir da análise de dados, chegamos ao modelo para a Régua da Diversidade.
Por enquanto, a análise está baseada no preenchimento de um formulário e no registro em planilha das métricas e impactos alcançados (você pode acessar os modelos destes arquivos em nosso tutorial sobre como usar a Régua de Diversidade). No segundo semestre, desenvolveremos uma aplicação que irá permitir uma melhor usabilidade da Régua. O aplicativo vai permitir que as redações tenham uma interface mais acessível para realizar os cálculos.
A Régua da Diversidade acompanha o desempenho das redações em três áreas de atuação: gestão, produção jornalística e cultura. Dividimos essas áreas, através das experiências e pesquisas que tinhamos como referência aqui na Énois. Cada área, por sua vez, tem critérios de avaliação, que são alcançados por meio de ações práticas, cujos “modos de fazer” são oferecidos pela Énois e estão disponíveis para uso de qualquer redação na Caixa de Ferramentas de Diversidade.
Utilizando a régua, em seis meses de programa, conseguimos medir que todas as redações ampliaram a cobertura e a análise da escuta da audiência para territórios periféricos e mais da metade mudou a orientação sobre quem é retratado e ouvido nas reportagens. Além disso, 50% incluíram práticas de formação em diversidade (como rodas de conversa sobre racismo estrutural), escuta da equipe e cuidado com a saúde mental dos jornalistas.
Algumas experiências foram bem intensas e partiram de olhares muito pessoais. Em dezembro, recebemos o Lucas Veiga (@veigalucas_), psicólogo e pesquisador sobre sobre saúde mental, questões raciais e diversidade, e Guilherme Valadares (@guilherme.nv), jornalista e professor de equilíbrio emocional, para conduzirem um encontro sobre equilíbrio emocional para jornalistas.
Os jornalistas das redações do programa foram divididos em dois grupos: pessoas negras receberam uma formação sobre identidade e autoestima da pessoa negra, enquanto o grupo de pessoas brancas (em sua maioria editores), uma formação sobre branquitude. O grupo também participou de uma aula sobre equilíbrio emocional em conjunto. O encontro foi tão potente que gerou duas ações de diversidade em redações diferentes.
João Frei, editor-mentor do Congresso em Foco, se deu conta de que precisava cuidar de sua saúde mental. “Foi a primeira vez que parei para avaliar como eu me sentia. Consegui conversar abertamente sobre isso com a gestão e me afastei por um período para cuidar da minha saúde mental. Quando voltei, fiquei surpreso e feliz ao ver que o portal começou a estruturar um apoio psicológico para toda a equipe, algo que nunca havíamos percebido antes”, contou.
Já Jordânia Andrade , repórter do programa na redação do BHAZ, em Belo Horizonte, se viu fortalecida para iniciar e encabeçar conversas sobre temas raciais na redação. “Participar da formação trabalhou muito a minha autoestima como mulher preta e periférica. Então me vi muito confortável em criar uma relação mais próxima e de troca com os colegas de redação não brancos e posteriormente trazer o assunto para a pauta da equipe, que é de maioria branca. Lidar com esses desconfortos, falar sobre racismo estrutural, sobre branquitude, passou a ser uma coisa que fazemos sempre e que atravessa a nossa relação como equipe, mas também a nossa produção jornalística”, detalhou.
Para o jornal O Povo, do Ceará, implementar as ações ligadas à produção, relativas às definições de pautas, criação de banco de fontes de pessoas negras ou trans, foram mais fáceis e rápidas. “A diversidade está na nossa carta de princípios, mas levar isso para dentro da equipe, do RH, é difícil. Temos uma pessoa trans na nossa equipe, já fizemos matéria cobrando o uso do nome social, mas isso não era feito dentro da empresa, por exemplo. Estar no Programa de Diversidade nos acendeu um alerta para isso e poder acompanhar os avanços é um processo muito rico”, explicou o editor Érico Firmo.
Um exemplo do bom retorno da audiência foi uma matéria sobre a história de famílias com crianças trans. “Tínhamos acabado de fazer uma cobertura muito violenta envolvendo uma criança trans. Em uma das formações do programa, falamos sobre a necessidade de produzir pautas positivas sobre grupos sub representados. Então procuramos um grupo de mães de crianças trans, começamos uma pesquisa intensa e fizemos uma reportagem que virou um conteúdo exclusivo para assinante e foi uma das mais lidas do portal no mês de março, com mais de 34 mil visualizações só enquanto estava fechada”, destacou Érico.
No Diário do Nordeste, Natali Carvalho, repórter do Programa de Diversidade, mostrou que no Ceará pessoas trans esperam, em média, três meses por atendimento em ambulatório especializado. A denúncia fez com o que o sistema judiciário e o poder executivo do Ceará criassem políticas públicas de saúde para atender adequadamente pacientes do grupo LGBTQIA+.
Abaixo, você pode conferir minha fala no 1° Conferência Latino-americana sobre Diversidade no Jornalismo, onde mostro a planilha e o formulário que desenvolvemos para realizar as medições com a Régua de Diversidade. Se tiver qualquer dúvida ou sugestão, me escreva no jamile@enoisconteudo.com.br
Defina um objetivo e um prazo. A construção da diversidade é ampla e envolve muitos aspectos que estão além da presença de alguém com o perfil transversal na redação. Por isso, olhe para a sua realidade e estabeleça objetivos e prazos alcançáveis. Talvez seja melhor olhar só para a construção da diversidade na equipe num primeiro momento, para depois implantar a escuta da audiência, por exemplo.
Defina as dimensões do que você deseja avaliar. Definido o objetivo (ou os objetivos), classifique-os em dimensões: você está olhando para ações de diversidade em gestão, cultura da redação ou produção jornalística? Se trabalhar com ações de mais de uma dimensão, lembre-se de atribuir peso para a nota, cada vez que uma ação daquela dimensão for alcançada.
Crie critérios de avaliação. Você quer avaliar a diversidade na gestão da redação, por exemplo? Um critério pode ser “avaliar se a redação tem processos abertos de seleção que priorizem trajetória social e diversidade dos candidatos”, ou se “há espaços de escuta e cuidado estabelecidos para equipe”, ou ainda se “o pagamento dos salários é feito em dia” (o que também é um cuidado quando falamos de diversidade).
Crie perguntas dentro dos critérios de avaliação. Para o critério “avaliar se a redação tem processos abertos de seleção que priorizem trajetória social e diversidade dos candidatos”, minha pergunta será “A redação tem processo seletivo estruturado para priorizar a contratação de mulheres, pessoas negras, indígenas, trans e vindas da periferia?”
Para saber como fazer o cálculo, fazer rodadas de checagem até o final do seu prazo e como colocar as ações em prática, visite o tutorial completo no nosso site e aproveite as outras ferramentas de diversidade da Caixa.
Não desanime voltar algumas casas na régua. Construir um ambiente diverso é um processo longo, doloroso (porque enfrentamos questões delicadas e temos que reconhecer nossa participação nos processos de racismo, reforço de estereótipos, etc.) e de construção coletiva. Pode acontecer de uma iniciativa funcionar bem em um mês e no outro ser esquecida. Por isso, a busca é sempre sistematizar e institucionalizar aquela ação. Mas em questões que envolvem outras decisões e esferas de poder na redação, isso pode demorar um pouco. Portanto, não desanime! Revisite essas ações informais, compartilhe os impactos disso com a equipe e caminhe nessa construção bonita por um jornalismo mais representativo e diverso.
> Entre os dias 14 e 16 de maio vai rolar o I Congresso Nacional de Jornalistas Negras e Negros, organizado pelo Coletivo Lena Santos, do qual integram Gabriel Araújo, que participou da formação que realizamos em parceria com a Abraji em BH, e Milena Geovana, que faz parte da turma Sul e Sudeste da formação de Jornalismo e Território. Vai ser um evento 100% online e gratuito. Entre os nomes, estão confirmadas Flávia Oliveira, Flavia Lima, Pedro Borges, Tiago Rogero, Manoel Soares e muitos outros. Faça sua inscrição aqui e confira a programação completa aqui. Siga o Coletivo Lena Santos.
> Recebemos retornos muito bons sobre a nossa última edição, que contou como desenhamos uma política de auxílio emergencial pra nossa equipe. Um deles foi esse tuíte pra lá de especial do Rodrigo, que faz o podcast Vida de Jornalista. Ficamos felizes que as ferramentas que temos experimentado por aqui façam sentido pra vocês! Tudo nosso.
> A partir deste mês, firmamos uma parceria de distribuição com a Agência Jovem de Notícias para compartilharmos as reportagens produzidas pelas redações integrantes do Diversidade nas Redações e pelos jornalistas que participam do edital de reportagens do programa Jornalismo e Território. Bem-vinda AJN! <3
Um salve e muito obrigada a todes apoiadores da Énois ♥
Ana Luiza Gaspar, Amanda Rahra, Andrei Rossetto, Angela Klinke, Anna Penido, Alexandre Ribeiro, Bernardo de Almeida, Camila Haddad, Carolina Arantes, Claudia Weingrill, Daniela Carrete, Danielle Bidóia, Danilo Prates, Darryl Holliday, Felipe Grandin, Fernanda Miranda, Fernando Valery, Flavia Menani, Fred Di Giacomo, Frederico Bortolato, Giuliana Tatini, Guilherme Silva, Gilberto Vieira, Harry Backlund, Juliana Siqueira, Júnia Puglia,Kelayne Santos, Larissa Brainer, Luciana Stein, Mauricio Morato, Natalia Barbosa, Nataly Simon, Patrícia Grosso, Rodrigo Alves, Rafael Wild, Renata Assumpção, Ricardo Feliz Okamoto, Susu Jou, Tatiana Cobbett, Vanessa Adachi, Vinícius Cordeiro e Vitor Abud. Se você quer ver seu nome aqui, basta se tornar nossa apoiadora ou apoiador: benfeitoria.com/enois