26 de fevereiro de 2022
“Para quem mora na região amazônica, emergência climática é muito mais que um conceito.”
Gabriel Veras, jornalistas da Abaré e Rede Énois
Alô, gente bonita. Meu nome é Gabriel Veras e estou escrevendo esta news diretamente de Manaus. Nasci e passei minha vida toda aqui no Amazonas, sou jornalista e um dos membros da Abaré, um coletivo de jornalismo local.
Como acontece com todo nortista, acompanhar a cobertura jornalística sobre a Amazônia me enche de questionamentos e reflexões — principalmente quando a pauta é socioambiental. Aqui, eu trago algumas dessas reflexões que me ocorrem sobre emergência climática.
Para quem mora na região amazônica, emergência climática é muito mais que um conceito. Nós vivemos, cotidianamente, com os efeitos das mudanças no clima. Nós sentimos na pele, mesmo que, historicamente, sejamos pouco responsáveis pela crise que aí está.
As ondas de calor, incêndios florestais, inundações e secas extremas são alguns dos sinais mais visíveis de que vivemos, de fato, uma emergência climática. E estes eventos extremos, cada vez mais comuns, afetam principalmente os povos indígenas, ribeirinhos, quilombolas e periféricos.
Já parou para pensar como as consequências da crise climática chegam aí na sua quebrada? Como as pessoas ao seu redor sentem o efeito das mudanças no clima? Não há como negar: mesmo que a crise tenha chegado para todes, para algumas populações esse efeito caótico é agravado.
Olhar para a comunidade
Se tem uma coisa que eu aprendi na minha jornada enquanto jornalista na Amazônia é que precisamos aprender a ouvir mais. Ninguém entende melhor a crise climática do que quem está na linha de frente, quem vive as consequências do clima desregulado. Por isso, nossa comunicação deve ser voltada para os territórios.
Na Amazônia, por exemplo, parte do bem estar das populações tradicionais depende diretamente de ciclos e processos ameaçados pelas mudanças climáticas. Ano passado conversei com a ativista Sineia do Vale, de Roraima. Ela me relatou como os povos da Serra da Lua têm percebido alterações por causa das mudanças climáticas, afetando a vida social, a pesca, a agricultura e os saberes tradicionais. “Os povos indígenas desde sempre conservaram essas áreas e agora são afetados por essas mudanças”, resumiu.
A jovem ativista T’xai Suruí, do povo Paiter Suruí, falou sobre isso em seu discurso na Conferência do Clima de 2021, na Escócia. Em seu apelo, lembrou que “os povos indígenas estão na linha de frente da emergência climática, por isso devemos estar no centro das decisões”.
Se os povos indígenas são os mais atingidos pela crise, por que não são reportados com visibilidade? Mais que simplesmente falar sobre a crise climática, o jornalismo precisa comunicar essas discussões de forma sensível e comprometida, olhando para os territórios e para quem neles vive.
Qual o papel do jornalismo em meio a isso tudo?
Quando você acompanha o noticiário sobre a Amazônia, as manchetes quase sempre são as mesmas: “desmatamento cresceu tantos por cento em um mês” ou “queimadas atingem nível recorde”. Geralmente essas reportagens são acompanhadas de gráficos que trazem a série histórica da devastação.
Mas por trás desses dados, estão milhões de pessoas. Qual foi a última vez que você leu uma reportagem sobre os efeitos práticos desses índices alarmantes no dia a dia das populações amazônidas?
Pautar justiça climática é, necessariamente, trazer a questão das desigualdades e a voz das populações mais vulnerabilizadas pelas mudanças climáticas para o centro do debate.
Separei algumas dicas práticas para a gente se aproximar da pauta climática. Olha só:
06 dicas de uma cobertura climática que respeita a narrativa periférica
Ouça pessoas que mobilizem o debate sobre justiça climática. É super importante dar visibilidade às histórias de ativistas ambientais e às suas agendas. Isso contribui não só para que esses temas alcancem o debate público, como também na mobilização.
Ah, aqui mesmo na Diversa, nós já demos dicas de como criar um banco de fontes indígenas, por exemplo.
A gente sabe que este é um problema global, mas cubra as mudanças climáticas como uma notícia local. Olhe para como a crise afeta o dia a dia de quem mora no seu território e como os políticos locais lidam com o tema.
Falar de justiça climática aí no seu território não é só mais uma pauta. Normalmente, não conseguimos aprofundar a cobertura logo no início, mas é preciso ficar de olho e acompanhar de perto as discussões para atravessar essas barreiras e produzir reportagens que façam a diferença.
É super importante estudar um pouco e ouvir especialistas quando o assunto é a cobertura climática, mas vamos combinar uma coisa: muita calma no uso de jargões. Muitas vezes, uma linguagem mais técnica acaba afastando as pessoas do debate (mesmo que ele seja prioritário). Comunique de forma simples, direta e com clareza.
Muitos movimentos sociais e muitas comunidades se mobilizam em torno de soluções locais e formas de se adaptar aos impactos das mudanças climáticas, mostrando a capacidade de inovação das periferias. Exemplos que deram certo podem ser uma boa pauta, além de ajudar a não trazer uma visão pessimista. Mas cuidado com a maquiagem verde, hein.
Muitas vezes, a gente não consegue emplacar essas pautas por falta de apoio nas redações convencionais. Tem gente que ainda não se convenceu da urgência ou simplesmente não tem interesse em falar sobre justiça climática. Isso tem nome: solidão climática. Mas não se sinta isolade. Normalmente, veículos independentes têm mais abertura, então, que tal mandar um e-mail para um deles?
E uma dica extra: estamos em um ano eleitoral, com a escolha de deputados estaduais ou distritais, deputados federais, governadores, senadores e presidente. Que tal tentar trazer o tema da emergência climática para dentro da cobertura eleitoral?
Nossa conversa não termina por aqui. Essas foram algumas das minhas inquietações, mas e as suas? Me conta no meu e-mail [email protected] ou no @gavecabral nas redes sociais.
Justiça climática também é o tema da segunda edição do curso de Jornalismo e Território da Énois. As formações são para jornalistas e ativistas dos estados da Amazônia Legal, Mato Grosso do Sul e Goiás. Para quem é de Manaus ou Boa Vista, ainda dá tempo de se inscrever no primeiro ciclo, clicando aqui ó.
Beijos, pessoal. Até a próxima <3
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